São Paulo, sexta-feira, 24 de julho de 2009

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Trator leva "Dom Quixote" às ruas

Com rapel e retroescavadeira, peça goiana é uma das que subvertem clássicos no festival de Rio Preto

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

No meio da praça de Talhado, distrito de São José do Rio Preto, a criançada tem os olhos fixados na torre de 21 metros de altura que abriga a caixa d'água: do burburinho, emergem vários "Não sobe aí, não!", "Ela é louca!", "É agora, é agora!".
Vestida de noiva, a dona das atenções é uma das dez Dulcinéias do espetáculo de rua goiano "Das Saborosas Aventuras de Dom Quixote de La Mancha e Seu Fiel Escudeiro Sancho Pança Um Capítulo que Poderia Ter Sido", uma das gratas surpresas do festival de Rio Preto. Sua descida de rapel dá início à apresentação.
O grupo Teatro que Roda se apropria sem cerimônia da história do fidalgo que faz da própria vida um romance de cavalaria e busca, entre uma aventura e outra, difundir os ideais de amor, justiça e paz. Assim, o escudeiro Sancho Pança vira uma catadora de papel falastrona (a ótima Liz Eliodoraz) cuja carroça, levemente "maquiada", fará as vezes de cavalo (o Rocinante do original).
O próprio Quixote é um executivo que larga a rotina para se entregar à fantasia -aqui no pacato distrito da zona rural de Rio Preto, acertadamente, entrou em cena como fazendeiro, na direção de um trator. Já que cada um fabula como pode, ele toma por armadura um colete de anéis de latinhas e espetos de churrasco como espadas.
Representação do amor idílico, inalcançável, as Dulcinéias aparecem como miragens que logo se dissipam, no alto do coreto ou nas pás de uma retroescavadeira que quase invade a praça, para frisson geral. Ao tentar salvar uma delas de uma armadilha (uma instalação que parece uma teia de aranha), o anacrônico Quixote tromba na truculência do século 21: de um carro que corta a rua em disparada saem três policiais encapuzados que darão fim a suas andanças.
Na mesma linha de revisão de clássicos em chave brasileira está "Miséria, Servidor de Dois Estancieiros", da gaúcha Oigalê Cooperativa de Artistas Teatrais, também apresentada na rua. A montagem transpõe de Veneza para Porto Alegre a comédia "Arlequim, Servidor de Dois Amos", do italiano Carlo Goldoni, sobre o ajudante de ordem que faz jornada dupla sem desconfiar do elo entre seus patrões.
Na mudança para os pampas, os personagens ganham bombachas, cinturões, botas e sotaques carregados, além de tambor e sanfona para fazerem a trilha de sua própria história. Trilegal.


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