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Trator leva "Dom Quixote" às ruas
Com rapel e retroescavadeira, peça goiana é uma das que subvertem clássicos no festival de Rio Preto
LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A SÃO JOSÉ DO RIO
PRETO
No meio da praça de Talhado,
distrito de São José do Rio Preto, a criançada tem os olhos fixados na torre de 21 metros de
altura que abriga a caixa d'água:
do burburinho, emergem vários "Não sobe aí, não!", "Ela é
louca!", "É agora, é agora!".
Vestida de noiva, a dona das
atenções é uma das dez Dulcinéias do espetáculo de rua goiano "Das Saborosas Aventuras
de Dom Quixote de La Mancha
e Seu Fiel Escudeiro Sancho
Pança Um Capítulo que Poderia Ter Sido", uma das gratas
surpresas do festival de Rio
Preto. Sua descida de rapel dá
início à apresentação.
O grupo Teatro que Roda se
apropria sem cerimônia da história do fidalgo que faz da própria vida um romance de cavalaria e busca, entre uma aventura e outra, difundir os ideais
de amor, justiça e paz. Assim, o
escudeiro Sancho Pança vira
uma catadora de papel falastrona (a ótima Liz Eliodoraz) cuja
carroça, levemente "maquiada", fará as vezes de cavalo (o
Rocinante do original).
O próprio Quixote é um executivo que larga a rotina para se
entregar à fantasia -aqui no
pacato distrito da zona rural de
Rio Preto, acertadamente, entrou em cena como fazendeiro,
na direção de um trator. Já que
cada um fabula como pode, ele
toma por armadura um colete
de anéis de latinhas e espetos
de churrasco como espadas.
Representação do amor idílico, inalcançável, as Dulcinéias
aparecem como miragens que
logo se dissipam, no alto do coreto ou nas pás de uma retroescavadeira que quase invade a
praça, para frisson geral. Ao
tentar salvar uma delas de uma
armadilha (uma instalação que
parece uma teia de aranha), o
anacrônico Quixote tromba na
truculência do século 21: de um
carro que corta a rua em disparada saem três policiais encapuzados que darão fim a suas
andanças.
Na mesma linha de revisão
de clássicos em chave brasileira
está "Miséria, Servidor de Dois
Estancieiros", da gaúcha Oigalê
Cooperativa de Artistas Teatrais, também apresentada na
rua. A montagem transpõe de
Veneza para Porto Alegre a comédia "Arlequim, Servidor de
Dois Amos", do italiano Carlo
Goldoni, sobre o ajudante de
ordem que faz jornada dupla
sem desconfiar do elo entre
seus patrões.
Na mudança para os pampas,
os personagens ganham bombachas, cinturões, botas e sotaques carregados, além de tambor e sanfona para fazerem a
trilha de sua própria história.
Trilegal.
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