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LITERATURA - FERNANDO SABINO
"Como escritor, sou um eterno principiante"
da Reportagem Local
No começo do ano, o escritor
Fernando Sabino lançou o livro
de contos "O Galo Músico" (ed.
Record, R$ 20), depois de uma
longa temporada de silêncio. Leia
a seguir texto inédito que o vencedor do Prêmio Machado de Assis
(recebido na quinta-feira passada, pelo conjunto de sua obra) fez
sobre seu mais recente trabalho.
FERNANDO SABINO
Trata-se de uma seleção, até
agora inédita em livro, de contos
e novelas de diferentes épocas
da minha vida, como diz o subtítulo na capa, "da juventude à
maturidade e do desejo ao
amor". Espero que o leitor, com
isso, não seja levado a crer tratar-se de uma espécie de "obra
póstuma" antecipada. Ao contrário: como escritor, sou um
eterno principiante. Mas, como
o escrivão que já fui, é possível
que constitua talvez um "inventário" de várias fases da minha
vida literária. Assim, os dez contos e as duas novelas que compõem o livro são precedidos de
uma apresentação pessoal, informando a origem de cada um.
O livro se inicia com "Uma
Ameaça de Morte", escrito aos
14 anos e premiado no Concurso Permanente de contos da
"Carioca", (...) que assim se manifestou: "Este conto é engenhoso. Revela qualidades de invenção e humorismo. Com "trouvailles" assim, muita gente tem
escrito histórias que andam por
aí, em livros e traduções. Convém acentuar, porém, que seu
autor é quase um guri: um rapazinho de 14 anos...". Confesso
que, embora exultante com o
prêmio, que para mim era a própria glória em vida, o "rapazinho de 14 anos" não sabia o que
queria dizer "trouvailles" e não
gostou do "guri".
"O Galo Músico", propriamente, inspirou-se num galo
pelo qual meu pai se tomou de
amores e que cantava a noite inteira debaixo da minha janela,
não me deixava dormir. Por
pouco não o estrangulei. Meu
pai gostou do conto, mas me
aconselhou a viajar, conhecer
outros lugares e pessoas mais
interessantes... Segui o conselho,
corri o mundo, conheci outras
pessoas, mas ninguém como
meu pai. E passei a só ouvir o galo cantar sem saber onde...
Já o segundo conto foi escrito
com o autor bem mais velho: já
com 17 anos... É a narrativa de
uma garotinha, na sua própria
linguagem, sobre a amizade dela
com um menino da mesma idade. Esse trabalho mereceu um
prêmio bem mais importante
que o do concurso da revista: a
generosa acolhida de Mário de
Andrade numa carta, com exagerados elogios (...).
A primeira parte do livro, "Juvenília", encerra-se com uma
novela, em cuja nota introdutória refiro-me à influência dos romances de Octavio de Faria:
uma poderosa influência dramática, a dos romances da "Tragédia Burguesa", sob a qual eu e
meus companheiros de geração
vivemos até nos tornarmos
adultos (...).
Com "Os Amores de Estudante", inicia-se a segunda parte do
livro, "Desejo". Um conto que
na época vinha a ser de perturbadora lascívia (...). Hoje em dia,
como erotismo, creio que seria
leitura para freiras. E nisso talvez esteja a sua graça. Segue-se
"A Primeira Loura", relato da
iniciação de um modesto revisor de jornal, aos 18 anos, na vida noturna do Rio em 1960 (...):
descreve o seu encontro na cama com uma competente profissional do sexo, que o exercia
na cadência dos sambas tocados
pelo rádio.
Já o seguinte, "O Marido Fiel"
é a descrição das andanças e paradas numa noite de boemia vivida em Copacabana e Ipanema
por um jovem músico carioca,
no tempo da bossa nova (...).
E "A Menina de Búzios" é uma
paráfrase de "O Menino de Pérgamo" conto do "Satyricon" de
Petrônio. Nunca escondi (pelo
menos de mim mesmo) certo
fascínio por meninas infanto-juvenis, classificação dos meus
tempos de nadador (...).
O "Noturno", que vem a ser a
última parte do livro (última em
todos os sentidos -a da maturidade, como o próprio nome
indica), consiste em mais três
contos e uma novela. "O Rosto",
embora sombrio e mesmo sinistro, foi paradoxalmente concebido ainda na primeira mocidade: trata-se da visão de um rosto
por meio da vidraça do quarto,
que atormentava um jovem todas as noites. Surpreendente e às
vezes contraditória é a inspiração de um ficcionista: o mesmo
que se dedicou lubricamente à
corrupção de uma menor, na recriação literária de uma história
da Antiguidade Clássica, faz de
um flagrante de rua em "Noite
Criança" uma denúncia da
prostituição infantil (...).
Já "O Fariseu" nasceu de uma
experiência que não me pareceu
das mais agradáveis, para dizer
o menos: a primeira vez que ousei fumar maconha, e que ficou
sendo a última. A inspiração me
veio de uma conversa sobre uso
de drogas com a jovem Marianne Faithfull, então mulher de
Mick Jagger, quando o casal baixou na minha casa, durante sua
visita ao Rio em 1968.
E, finalmente, a novela "Noite
Única" originou-se de uma peça
escrita a pedido de Cacilda Becker, para complementar no palco a apresentação da peça de Jules Renard "Pega Fogo" (...).
Há quem me pergunte se mais
um livro novo este ano não será
prejudicado, atropelando o anterior, recentemente publicado
(...). Sou levado a crer, por um
acesso de otimismo congênito,
que, ao contrário, "O Galo Músico" só poderá ser beneficiado
pelo sucesso do outro. Pelo menos, a ser verdade o seu título,
acho que "no fim dá certo"...
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