São Paulo, Sábado, 24 de Julho de 1999
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LITERATURA - FERNANDO SABINO
"Como escritor, sou um eterno principiante"

da Reportagem Local

No começo do ano, o escritor Fernando Sabino lançou o livro de contos "O Galo Músico" (ed. Record, R$ 20), depois de uma longa temporada de silêncio. Leia a seguir texto inédito que o vencedor do Prêmio Machado de Assis (recebido na quinta-feira passada, pelo conjunto de sua obra) fez sobre seu mais recente trabalho.
FERNANDO SABINO

Trata-se de uma seleção, até agora inédita em livro, de contos e novelas de diferentes épocas da minha vida, como diz o subtítulo na capa, "da juventude à maturidade e do desejo ao amor". Espero que o leitor, com isso, não seja levado a crer tratar-se de uma espécie de "obra póstuma" antecipada. Ao contrário: como escritor, sou um eterno principiante. Mas, como o escrivão que já fui, é possível que constitua talvez um "inventário" de várias fases da minha vida literária. Assim, os dez contos e as duas novelas que compõem o livro são precedidos de uma apresentação pessoal, informando a origem de cada um.
O livro se inicia com "Uma Ameaça de Morte", escrito aos 14 anos e premiado no Concurso Permanente de contos da "Carioca", (...) que assim se manifestou: "Este conto é engenhoso. Revela qualidades de invenção e humorismo. Com "trouvailles" assim, muita gente tem escrito histórias que andam por aí, em livros e traduções. Convém acentuar, porém, que seu autor é quase um guri: um rapazinho de 14 anos...". Confesso que, embora exultante com o prêmio, que para mim era a própria glória em vida, o "rapazinho de 14 anos" não sabia o que queria dizer "trouvailles" e não gostou do "guri".
"O Galo Músico", propriamente, inspirou-se num galo pelo qual meu pai se tomou de amores e que cantava a noite inteira debaixo da minha janela, não me deixava dormir. Por pouco não o estrangulei. Meu pai gostou do conto, mas me aconselhou a viajar, conhecer outros lugares e pessoas mais interessantes... Segui o conselho, corri o mundo, conheci outras pessoas, mas ninguém como meu pai. E passei a só ouvir o galo cantar sem saber onde...
Já o segundo conto foi escrito com o autor bem mais velho: já com 17 anos... É a narrativa de uma garotinha, na sua própria linguagem, sobre a amizade dela com um menino da mesma idade. Esse trabalho mereceu um prêmio bem mais importante que o do concurso da revista: a generosa acolhida de Mário de Andrade numa carta, com exagerados elogios (...).
A primeira parte do livro, "Juvenília", encerra-se com uma novela, em cuja nota introdutória refiro-me à influência dos romances de Octavio de Faria: uma poderosa influência dramática, a dos romances da "Tragédia Burguesa", sob a qual eu e meus companheiros de geração vivemos até nos tornarmos adultos (...).
Com "Os Amores de Estudante", inicia-se a segunda parte do livro, "Desejo". Um conto que na época vinha a ser de perturbadora lascívia (...). Hoje em dia, como erotismo, creio que seria leitura para freiras. E nisso talvez esteja a sua graça. Segue-se "A Primeira Loura", relato da iniciação de um modesto revisor de jornal, aos 18 anos, na vida noturna do Rio em 1960 (...): descreve o seu encontro na cama com uma competente profissional do sexo, que o exercia na cadência dos sambas tocados pelo rádio.
Já o seguinte, "O Marido Fiel" é a descrição das andanças e paradas numa noite de boemia vivida em Copacabana e Ipanema por um jovem músico carioca, no tempo da bossa nova (...).
E "A Menina de Búzios" é uma paráfrase de "O Menino de Pérgamo" conto do "Satyricon" de Petrônio. Nunca escondi (pelo menos de mim mesmo) certo fascínio por meninas infanto-juvenis, classificação dos meus tempos de nadador (...).
O "Noturno", que vem a ser a última parte do livro (última em todos os sentidos -a da maturidade, como o próprio nome indica), consiste em mais três contos e uma novela. "O Rosto", embora sombrio e mesmo sinistro, foi paradoxalmente concebido ainda na primeira mocidade: trata-se da visão de um rosto por meio da vidraça do quarto, que atormentava um jovem todas as noites. Surpreendente e às vezes contraditória é a inspiração de um ficcionista: o mesmo que se dedicou lubricamente à corrupção de uma menor, na recriação literária de uma história da Antiguidade Clássica, faz de um flagrante de rua em "Noite Criança" uma denúncia da prostituição infantil (...).
Já "O Fariseu" nasceu de uma experiência que não me pareceu das mais agradáveis, para dizer o menos: a primeira vez que ousei fumar maconha, e que ficou sendo a última. A inspiração me veio de uma conversa sobre uso de drogas com a jovem Marianne Faithfull, então mulher de Mick Jagger, quando o casal baixou na minha casa, durante sua visita ao Rio em 1968.
E, finalmente, a novela "Noite Única" originou-se de uma peça escrita a pedido de Cacilda Becker, para complementar no palco a apresentação da peça de Jules Renard "Pega Fogo" (...).
Há quem me pergunte se mais um livro novo este ano não será prejudicado, atropelando o anterior, recentemente publicado (...). Sou levado a crer, por um acesso de otimismo congênito, que, ao contrário, "O Galo Músico" só poderá ser beneficiado pelo sucesso do outro. Pelo menos, a ser verdade o seu título, acho que "no fim dá certo"...


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