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CINEMA/ESTRÉIAS
"A GRANDE ILUSÃO"
Em longa que precede a Segunda Guerra, diretor francês faz admirável construção de personagens
Renoir faz psicologia primar sobre poesia
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Em 1937 , os prenúncios de
uma nova guerra mundial já
estavam no ar -e talvez seja isso
que melhor explique o fato de "A
Grande Ilusão" ser uma exceção
na carreira de Jean Renoir.
A imensa maioria de seus filmes
-entre eles, o hoje cantado e decantado "A Regra do Jogo"- fracassou miseravelmente, com o
mesmo ímpeto com que se impôs
à posteridade.
O apelo de "A Grande Ilusão" é,
em primeiro lugar, o pacifismo.
Tudo nos faz pensar no absurdo
da guerra, desde que dois aviadores franceses -o nobre capitão
Boïeldieu (Pierre Fresnay) e o plebeu Marechal (Jean Gabin)- são
abatidos e depois recebidos no
campo de prisioneiros por outro
nobre, o capitão Von Rauffestein
(Eric von Stroheim).
A partir daí, Jean Renoir se entrega à digressão -figura muito a
seu gosto.
Ora nos conduz à amizade supranacional entre Boïeldieu e
Von Rauffestein (maneira de dizer que, antes da pátria, existem
as classes sociais -a identidade
entre sujeitos da mesma categoria
é profunda, independentemente
das divisões de fronteira).
Ora nos enreda em tentativas de
fuga que envolvem sobretudo os
plebeus -embora não de forma
exclusiva; Boïeldieu também se
envolverá com fugas, como a nos
lembrar que um homem não é determinado apenas por sua classe
social.
Ora, ainda, introduz um personagem judeu (Marcel Dalio), para
nos lembrar de que a origem étnica de alguém não é uma diferença
essencial.
Mas é a parte final do filme (que
convém aqui não revelar) que nos
conduzirá à moral da história: o
sentimento de que franceses e alemães podem perfeitamente conviver pacificamente.
Nesse sentido, o nacionalismo
(e sua decorrência, as fronteiras) é
antes de mais nada uma construção perversa do homem.
Reside nisso, aliás, o que este filme conserva de dramaticamente
atual e que pode se aplicar quase
literalmente aos conflitos nos Bálcãs ou no Oriente Médio (para
não falar daquilo que ocorre na
América Latina, em que brasileiros e argentinos vivem atribuindo
uns aos outros crises pelas quais a
responsabilidade principal é, aparentemente, de suas respectivas
políticas econômicas).
Reside nisso, também, a sabedoria de Renoir: apesar do sucesso imediato, "A Grande Ilusão"
conserva seu frescor. O que tem a
dizer não se limita ao conflito que
se anunciava (a Segunda Guerra).
E mesmo se, como assinalou
François Truffaut, esse é um de
seus raros filmes em que a psicologia prima sobre a poesia, é quase impossível não admirar a construção sólida dos personagens e
de suas muitas contradições.
A Grande Ilusão
La Grande Illusion
Direção: Jean Renoir
Produção: França, 1937
Com: Jean Gabin, Pierre Fresnay, Erich
von Stroheim
Quando: a partir de hoje no Studio
Alvorada
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