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CRÍTICA
Filme radicaliza linguagem
COLUNISTA DA FOLHA
Na contramão do cineminha covarde que anda por aí,
o filme "Lavoura Arcaica" não é
uma mera obra de entretenimento. É uma experiência, no sentido
de "conhecimento que nos é
transmitido pelos sentidos".
O prodígio do filme consiste na
superação de uma série de dilemas, alguns falsos, outros reais.
O principal deles é: como levar
às telas, sem cair no reducionismo
ou na literatice, uma obra literária
densa, que em sua dicção elevada
restaura o peso e o sentido de cada palavra, para além do seu uso
cotidiano e banal?
Luiz Fernando Carvalho enfrentou esse desafio buscando no
plano audiovisual uma operação
poética análoga à do livro.
Imagens, palavras, ruídos, música -nada tem um sentido meramente funcional, descritivo ou
narrativo. Cada um desses elementos pulsa e resplandece com
sua força própria, intraduzível.
Reduzido a suas linhas básicas,
o "enredo" de "Lavoura Arcaica"
é muito simples: rapaz (Selton
Mello), movido pela revolta contra o pai (Raul Cortez) e pelo desejo incestuoso por uma das irmãs
(Simone Spoladore), abandona a
família. O irmão mais velho vai
buscá-lo numa pensão.
O filme se organiza em torno do
diálogo entre os irmãos. A partir
dali, em jorros de imagem que seria empobrecedor chamar de
"flashbacks", desenham-se as relações do filho pródigo com cada
membro da família: a mãe, a irmã,
o pai. No livro, a narração é em
primeira pessoa, um fluxo dividido em grandes blocos sem parágrafos e sem pontos finais.
No filme, Carvalho transformou essa subjetividade em luz.
De acordo com as pulsões interiores do protagonista, a iluminação
pode ser plácida, translúcida ou
sombriamente expressionista, a
ponto de desfigurar a matéria.
A cena inicial é um exemplo:
André se masturba, e seu corpo,
transfigurado pelas sombras,
lembra o de um Cristo torturado.
Solenidade e transgressão confrontam-se em cada plano.
Outro desafio vencido pelo filme é o de erigir uma parábola de
dimensão universal sem cair numa alegoria vaga. Tudo no filme é
muito palpável. A fotografia excepcional de Walter Carvalho puxa as cores para um tom de terra.
O tema vira forma. Por fim, o filme vence a falsa dicotomia entre
apuro técnico e intensidade de expressão. "Lavoura" coloca o primeiro a serviço da segunda e
pronto. Não faz brilhareco. Brilha
de verdade. Em tempo: todos os
atores estão formidáveis.
(JGC)
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