São Paulo, segunda-feira, 24 de setembro de 2001

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PERSONALIDADE

Sem Cláudio Mamberti, perde-se um caráter

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

É impossível para mim não falar de Cláudio Mamberti de maneira pessoal. Conheci-o quando buscava um ator para o episódio "Uma Aula de Sanfona", que estava para rodar em 1982.
Jamais esperava que um ator conhecido como ele sequer topasse ler o roteiro de um filme a que A.P. Galante, o produtor, deu o nome, sem grande sutileza, "As Safadas". E que seria feito em seis dias, com cinco rolos de negativo: coisa rapidíssima, baratíssima.
Cláudio não apenas topou, como entrou na história de cabeça. Os dias eram árduos. Para completar, a filmagem acontecia em um lupanar da avenida São João em pleno funcionamento. Toda manhã era preciso transformar o bordel num apartamento onde viviam duas moças de classe média.
Cláudio não se impressionava com isso. Nunca errou uma fala. Desde o primeiro dia tinha seu papel perfeitamente composto, o que nunca o impediu de escutar instruções como se fosse um iniciante, sem a menor arrogância.
Pelo contrário: quando não estava em cena, ajudava a segurar os chiliques de uma das atrizes. Não tivesse feito isso, é provável que a filmagem não chegasse ao final.
A última vez que vi Cláudio Mamberti foi quando, há dois anos, o episódio foi exibido -depois de quase 20 anos sem cópia- na Semana dos Independentes do Espaço Unibanco. Ele fez questão de comparecer à sessão, assumiu com alegria aquele filme de pretensões modestas, fez questão de ir na frente e relembrar sua participação naquela história.
Disse a mim, em seguida, que tivera muita alegria em fazer aquele trabalho. Falou também, com justificado entusiasmo, de seu projeto seguinte: dirigir uma peça inédita de Plínio Marcos, com seu irmão, Sérgio, como ator. O que levou, aliás, adiante. Cláudio prometeu me convidar para a estréia, o que nunca fez. Toda vez que eu cruzava com Sérgio, ia cobrar esse esquecimento, o que, por algum motivo, sempre adiava.
Por alguma razão, a fama de Cláudio sempre ficou à sombra da de Sérgio, como "o irmão de". Uma evidente injustiça que não desmerece, aliás, o grande talento de Sérgio. A morte prematura de Cláudio, aos 60 anos, ocorrida na quarta-feira, dia 19 último, é uma óbvia perda para o cinema, para o teatro, para a televisão.
É também uma perda pessoal inestimável: o mesmo vigor que imprimia a seus personagens, a mesma dedicação ao trabalho transformavam-se longe dele num espírito cheio de humor, vivacidade, capacidade de sonhar. Fará, sim, grande falta, como ator e como caráter.



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