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Escritor sai de "inferno astral", diz Arrigucci
DA REDAÇÃO
Julio Cortázar está saindo de
um "inferno astral" dentro do cenário da literatura latino-americana. Esta é a opinião do crítico
Davi Arrigucci Jr., 61, que fará
conferência no ciclo "Cortázar
-°Cinema e Literatura".
"Cortázar teve uma importância enorme nos anos 60 e 70. Depois, entrou numa espécie de inferno astral, comum a escritores
grandes como ele logo depois de
morrerem. Hoje, sinto que está vivo de novo, e com o peso certo, influenciando as novas gerações de
contistas hispano-americanos."
O legado literário do argentino é
tema da palestra do crítico e professor aposentado da USP. Arrigucci também tratará da relação
entre a literatura do escritor e o cinema, a fotografia e a música.
O crítico é autor de um ensaio
clássico sobre o argentino, "O Escorpião Encalacrado" (1973,
Companhia das Letras), que recentemente recebeu uma versão
em espanhol ("El Alacrán Atrapado", ed. Unam/México).
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Arrigucci
concedeu à Folha.
(SC)
Folha - Uma mostra de filmes pode ser uma porta de entrada para a
obra literária de Cortázar? Por quê?
Davi Arrigucci Jr. - Sim. Os filmes
têm um apelo muito forte. Às vezes, basta uma imagem criada por
Cortázar que um cineasta tenha
sido capaz de captar ou uma frase
para que uma pessoa se interesse
pelo universo do autor. A capacidade de fascínio desse universo
cortaziano é muito grande. As
imagens que ele criou são imagens em que um detalhe pode levar a uma realidade mais ampla.
Essa natureza de fermento das
imagens mais acertadas de Cortázar faz com que, se uma pessoa se
aproxima de sua obra por meio de
um filme, por exemplo, já estará
"na linha de tiro".
Folha - De que maneira a obra literária de Cortázar se relacionava
com as outras artes?
Arrigucci - A música e outras artes estão profundamente relacionadas à maneira como Cortázar
concebeu a literatura. Na minha
palestra, vou tratar da relação dele
com a fotografia e o cinema, sobre
os quais ele escreveu em textos
teóricos a respeito do conto.
Também devo abordar sua teoria da narrativa, importante para
várias gerações de contistas, e sua
formação. Nesse ponto, vale ressaltar o peso que teve o surrealismo ao ajudá-lo a forjar uma percepção para sacar coisas a partir
das brechas da realidade.
Cortázar tem uma espécie de visão intersticial, uma coisa capaz
de captar desvãos na realidade banal de todos os dias. Um certo
deslocamento do olhar que percebia territórios especiais para além
do dia-a-dia comum das pessoas.
Folha - A capacidade de ver o fantástico no cotidiano o aproxima da
linguagem do cinema?
Arrigucci - Sim, Cortázar desenvolveu uma idéia de aproximar o
conto, a narrativa breve, da fotografia. Isso por meio da noção de
limite a que ele se impôs e que é
um dos traços do conto.
A escrita de Cortázar tinha tensão, mas não cortes abruptos do
fluxo narrativo. Ele desenvolveu
muito a noção de intensidade, e,
paralelamente, temas significativos ligados ao limite.
Tudo com a intenção de que
aquilo que narrasse dissesse respeito a uma abertura maior da
realidade para outra coisa.
Folha - Como você define o fantástico em Cortázar?
Arrigucci - Essa é uma palavra
que diz muitas coisas, mas, no caso dele, é bastante específica. Para
entendê-lo, é preciso prestar atenção nos autores que o influenciaram, de um certo surrealismo e de
sua formação argentina. Cortázar
é um escritor muito intuitivo e
muito intelectual. A combinação
dessas duas características compõe a herança borgeana dele. Ou
seja, o rigor construtivo casado
com uma liberdade grande para
captar as coisas que dizem respeito à sua sensibilidade do mundo.
Cortázar tem por um lado o cuidado extremo com o trabalho de
arte, o ofício do escritor e, de um
outro lado, uma atitude muito libertária de captação dos temas
que para ele são significativos.
Folha - O que o diferencia de Borges?
Arrigucci - Há algo comum entre
os dois em motivos como o do labirinto. Mas em Cortázar há uma
noção do espaço literário diferente. Ele tem uma captação especial
para um espaço poroso, que pode
ser uma ponte, uma janela, lugares do espaço que são trabalhados
para levar a uma outra coisa.
É nessa outra coisa que o olhar
dele se empenha. E com isso ele
provoca uma deslocamento da
percepção do leitor.
O que ele chamou de fantástico
pode ser apenas uma ânsia por
uma realidade diferente. Uma
forma de escapar de uma realidade comprometida com o lugar comum, com a rotina, com o mundo degradado ou absurdo da realidade contemporânea.
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