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"AMOR À TARDE"
Eric Rohmer mostra a debilidade da moral burguesa
PAULO SANTOS LIMA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A traição é o momento no
qual o ser humano se atira
heroicamente na aventura da pulsão sexual, sabendo dos riscos e
apostando que o lúdico será mais
valioso que a falha moral. Uma falha, que fique claro, a partir do
instante que a moral burguesa legislou a monogamia como estrada pavimentada para os relacionamentos. Eis aqui um assunto
fertilíssimo para explosões nucleares de opinião e desmoronamentos de certezas, e que Eric
Rohmer soube tão bem discutir
em "Amor à Tarde".
O cinema deste diretor acredita
que as verdades múltiplas no tecido dos filmes os aproximam da
vida, o que é um traço da modernidade da nouvelle vague. E a moral, sabe-se, são as rédeas das relações humanas, assunto também
freqüente na obra rohmeriana.
Aqui aparece Frédéric (Bernard
Verley), homem com a vida bem
firmada, sócio de um cartório, casado e com dois filhos.
Seus medos repousam no tédio
do casamento e na domação dos
seus impulsos sexuais, que não
são poucos. Estamos em Paris, talhada, como qualquer espaço
burguês, na ambigüidade, o que
faz as relações ganharem certo estatuto sexual. Frédéric encontra
nessas ruas coalhadas de belas
mulheres um afago nos seus impulsos adúlteros. Ele criou sua lógica para entender o mundo, que
ele sempre rascunha em cada tarde livre que passa lendo ou fazendo compras para debelar o tédio.
Aceita a farsa, ou seja, lança olhares às mulheres e mergulha na
fantasia onírica sem jamais estuprar seus princípios morais.
Frédéric vê beleza em todas as
mulheres, enfim, e como extensão
da mulher dele, que ele jura ser a
mais bela de todas. Será? Chloé,
uma ex-namorada de um amigo,
aparece em seu escritório, e vai
deixar saliente que não é bem assim. Que o desejo e as cantadas
baratas que ele lança ao mulherio
são provas de que, sim, ele trairia
sua mulher. Chloé (interpretada
pela modelo Zouzou), mulher
que admite a impulsividade como
combustível da vida, vem para
pôr em xeque esse mundo postiço, no qual as peças vivem em
aparente equilíbrio.
A amizade (secreta) entre Frédéric e esta mulher viceja nos encontros à tarde, quando ele não
precisa prestar contas à mulher. A
bela amiga sabe usar toda a ambigüidade que o contato entre homem e mulher pode às vezes fazer
brotar, e uma atração quase incontrolável vai tomando conta de
Frédéric, que leva à frente esse seu
"modus operandi" de operar entre o flerte e a fidelidade conjugal.
Ela não acredita jamais na palavra, sempre frágil e enganadora,
mas sim nas ações. Faz o que dá
na telha, sempre, tumultuando a
geografia aplainada e burguesa de
Frédéric. Pois este correto cidadão que entende a poligamia como sendo a barbárie, precisará de
uma resistência sobrenatural para
não sucumbir a Chloé, que sabe-se lá por quê começa a seduzi-lo.
É a partir do relacionamento,
improvável, entre Frédéric e
Chloé que "Amor à Tarde" desenha uma discussão sólida sobre o
quanto a moral responde à verdade do homem. Porque a crença de
Frédéric não o faz menos instintivo. E ela abusa, como ele, de uma
moral própria para se colocar no
mundo. A verdade estaria então
no abraço raivoso e apaixonado
entre o racional e o impensado. E
mais uma vez o cinema de Rohmer se aproxima da vida, e sem
julgamentos, sobretudo morais.
Amor à Tarde
L'Amour l'Aprés-Midi
Direção: Eric Rohmer
Produção: França, 1972
Com: Bernard Verley, Zouzou
Quando: a partir de hoje no Top Cine
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