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MÚSICA
Compositor lança 3º CD por selo britânico e rejeita semelhanças entre ufanismo dos anos 70 e neo-patriotismo
Valle brinca de samba em "Contrasts"
DA REPORTAGEM LOCAL
O brasileiro-estrangeiro faz mais uma vez a curva
de retorno. Com quase um ano de
atraso, aporta no país natal "Contrasts", o terceiro álbum produzido pelo carioca Marcos Valle, 61,
com apoio da gravadora britânica
Far Out. Dois shows no Sesc Pompéia, amanhã e domingo, celebram em São Paulo o nomadismo
popular brasileiro de Valle.
O vaivém não é nenhuma novidade. Garoto-prodígio da segunda dentição da bossa nova, Marcos já foi exportado em música e
corpo em 64 (quando o clássico
"Samba de Verão" emplacou nos
EUA), em 67 (idem para "Os Grilos"), em 75 (quando, auto-exilado por seis anos, passou a trabalhar com Sarah Vaughan, Chicago e outros), nos anos 90 (com a
redescoberta por DJs europeus).
O desterro que mais parece ter
deixado cicatrizes é o de 74, época
de ufanismo (leia quadro "o não-lançamento", ao lado) de superfície e terror de porão. "Saí porque
estava chateado com a censura,
era humilhante ter que ir explicar
as músicas em Brasília a toda hora. Fui ficando inseguro de cantar
no palco, comecei a querer sair
daqui, um exílio meio forçado."
Valle compara aquela época
com o neo-nacionalismo de 2004,
sob Lula: "É muito diferente, a onda patriótica do "ame-o ou deixe-o" era totalmente alienada. A noção de que o comunismo era uma
doença transformava aquilo num
patriotismo doido, alienado".
E fecha o raciocínio: "Não vejo
hoje um patriotismo cego, vivemos uma onda de pessimismo
por tanto tempo que hoje podemos ser otimistas. Acho que precisamos disso para viver, para
criar nossos filhos".
Um dos efeitos da "fuga" de 75
foi o rompimento da dupla até então inseparável formada por ele e
seu irmão mais velho, o letrista
Paulo Sérgio Valle, 64, que à luz da
separação apelou à sobrevivência
comercial e trocou as letras críticas militantes dos anos 70 pela
composição, nos 80 e 90, para românticos pagodeiros e sertanejos.
"Paulo Sérgio não canta, não vai
para o palco, a maneira que achou
de continuar ganhando dinheiro
com a profissão dele foi buscar a
coisa mais popular. Mas quando
volta a fazer música comigo, o que
prevalece é o que a gente fazia no
começo, de qualidade", descreve.
"Contrasts" ensaia novo recomeço para a dupla, em "Passatempo" e "Água de Beber", mais
próximas à veia da bossa nova
"boa vida" de "Samba de Verão".
O CD faz pensar numa ponte
com o Marcos Valle de 1967, que
fizera do disco gringo "Braziliance!" um trabalho de flerte com o
samba tradicional. Exímio e moderno tecladista, ele reconhece o
peso do samba no novo CD, o que
explica pela técnica de compor,
não por ondas neo-patrióticas: "O
CD caminha bem mais para o
samba, mas isso foi puxado pelo
fato de que quase todas as músicas foram feitas no violão".
O samba ressoa forte em batucadas como a de "Besteiras de
Amor", mas o CD atinge o ápice
numa evocação a humores que
Valle abordou nos anos 70 (no
disco "Garra", de 71) e nos 80
(época de "Bicho no Cio", de 81, e
da parceria com Leon Ware, soulman próximo de Marvin Gaye). É
o samba-soul "Nega do Balaio"
(parceria com Ronaldo Bastos),
dolente, suingada, longa, climática. Todos os Marcos Valle moram
em "Contrasts", todos eles estrangeiros-brasileiros.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Contrasts
Artista: Marcos Valle
Lançamento: Far Out/Trama
Quanto: R$ 30, em média
MARCOS VALLE - Show no Sesc
Pompéia (r. Clélia, 93, tel. 0/xx/11/ 3871-7700). Quando: amanhã, às 21h, e
domingo, às 18h. Quanto: R$ 15.
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