São Paulo, sexta-feira, 24 de setembro de 2004

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MÚSICA

Compositor lança 3º CD por selo britânico e rejeita semelhanças entre ufanismo dos anos 70 e neo-patriotismo

Valle brinca de samba em "Contrasts"

DA REPORTAGEM LOCAL

O brasileiro-estrangeiro faz mais uma vez a curva de retorno. Com quase um ano de atraso, aporta no país natal "Contrasts", o terceiro álbum produzido pelo carioca Marcos Valle, 61, com apoio da gravadora britânica Far Out. Dois shows no Sesc Pompéia, amanhã e domingo, celebram em São Paulo o nomadismo popular brasileiro de Valle.
O vaivém não é nenhuma novidade. Garoto-prodígio da segunda dentição da bossa nova, Marcos já foi exportado em música e corpo em 64 (quando o clássico "Samba de Verão" emplacou nos EUA), em 67 (idem para "Os Grilos"), em 75 (quando, auto-exilado por seis anos, passou a trabalhar com Sarah Vaughan, Chicago e outros), nos anos 90 (com a redescoberta por DJs europeus).
O desterro que mais parece ter deixado cicatrizes é o de 74, época de ufanismo (leia quadro "o não-lançamento", ao lado) de superfície e terror de porão. "Saí porque estava chateado com a censura, era humilhante ter que ir explicar as músicas em Brasília a toda hora. Fui ficando inseguro de cantar no palco, comecei a querer sair daqui, um exílio meio forçado."
Valle compara aquela época com o neo-nacionalismo de 2004, sob Lula: "É muito diferente, a onda patriótica do "ame-o ou deixe-o" era totalmente alienada. A noção de que o comunismo era uma doença transformava aquilo num patriotismo doido, alienado".
E fecha o raciocínio: "Não vejo hoje um patriotismo cego, vivemos uma onda de pessimismo por tanto tempo que hoje podemos ser otimistas. Acho que precisamos disso para viver, para criar nossos filhos".
Um dos efeitos da "fuga" de 75 foi o rompimento da dupla até então inseparável formada por ele e seu irmão mais velho, o letrista Paulo Sérgio Valle, 64, que à luz da separação apelou à sobrevivência comercial e trocou as letras críticas militantes dos anos 70 pela composição, nos 80 e 90, para românticos pagodeiros e sertanejos.
"Paulo Sérgio não canta, não vai para o palco, a maneira que achou de continuar ganhando dinheiro com a profissão dele foi buscar a coisa mais popular. Mas quando volta a fazer música comigo, o que prevalece é o que a gente fazia no começo, de qualidade", descreve.
"Contrasts" ensaia novo recomeço para a dupla, em "Passatempo" e "Água de Beber", mais próximas à veia da bossa nova "boa vida" de "Samba de Verão".
O CD faz pensar numa ponte com o Marcos Valle de 1967, que fizera do disco gringo "Braziliance!" um trabalho de flerte com o samba tradicional. Exímio e moderno tecladista, ele reconhece o peso do samba no novo CD, o que explica pela técnica de compor, não por ondas neo-patrióticas: "O CD caminha bem mais para o samba, mas isso foi puxado pelo fato de que quase todas as músicas foram feitas no violão".
O samba ressoa forte em batucadas como a de "Besteiras de Amor", mas o CD atinge o ápice numa evocação a humores que Valle abordou nos anos 70 (no disco "Garra", de 71) e nos 80 (época de "Bicho no Cio", de 81, e da parceria com Leon Ware, soulman próximo de Marvin Gaye). É o samba-soul "Nega do Balaio" (parceria com Ronaldo Bastos), dolente, suingada, longa, climática. Todos os Marcos Valle moram em "Contrasts", todos eles estrangeiros-brasileiros.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Contrasts    
Artista: Marcos Valle
Lançamento: Far Out/Trama
Quanto: R$ 30, em média

MARCOS VALLE - Show no Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, tel. 0/xx/11/ 3871-7700). Quando: amanhã, às 21h, e domingo, às 18h. Quanto: R$ 15.



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