|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TEATRO
Fotobiografia reúne 127 imagens e trechos de críticas ou breves comentários do ator de 83 anos e quase 60 de carreira
Paulo Autran ri de si e dos outros em livro
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
No final dos anos 60, sob ditadura militar, Paulo Autran teve
que representar mais paciência
do que Jó. E pior: fora do palco.
Do ex-presidente general Médici (1969-74) ouviu que deveria
criar um espetáculo sobre Duque
de Caxias (1803-88), patrono do
Exército, em detrimento da remontagem de "Morte e Vida Severina", do poeta João Cabral de
Melo Neto (1920-99).
Tomou chá de cadeira de uma
hora do então prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães,
com quem foi conversar sobre
um "imposto municipal inusitado". A autoridade mal lhe dirigiu
o olho, ratificou o que já havia sido pago e tascou, truculento:
"Não gosto de teatro, para mim,
teatro é bobagem!".
É feito de entrelinhas assim o retrato bem-acabado do artista, no
qual também se entrevê o homem
no livro "Paulo Autran: Sem Comentários".
A fotobiografia elenca 127 imagens acompanhadas por excertos
de críticas publicadas ou breves
comentários do ator, que completou 83 anos no último dia 7.
O livro editado pela Cosacnaify,
com apoio da Fundação Armando Álvares Penteado, ganha lançamento duplo em São Paulo, um
na segunda-feira (Faap) e outro
na quarta-feira (livraria Siciliano
do shopping Pátio Higienópolis).
No Rio, a noite de autógrafo será
no dia 4/10 (livraria Arteplex).
"A vida inteira eu disse que, em
benefício da literatura brasileira,
nunca escreveria um livro. Não
me sinto escritor, mas um comentarista totalmente despretensioso", afirma Autran.
São textos leves e ligeiros, em
sua maioria inclinados para o humor, às vezes involuntário. Alguém consegue imaginar Autran
sapateando e cantando "Guantanamera"? Pois ele assim o fez num
show que apresentava de madrugada numa boate carioca, em paralelo à temporada de "Depois da
Queda" (1964), peça dirigida por
Flávio Rangel.
Foi Rangel (1932-88) quem lhe
abriu os horizontes políticos, sobretudo após "Liberdade, Liberdade" (1965/66), texto do diretor
com Millôr Fernandes, "o primeiro espetáculo exclusivamente político e de protesto encenado após
o golpe", nas palavras do ator.
O ator cogitou filiar-se ao Partido Comunista, mas não foi adiante. "Aos 42 anos, estava tendo os
pruridos idealistas de um adolescente", escreve.
Autran caçoa de críticos ("os
desmandos, os abusos, as maldades") e de diretores, como aqueles
dois "de grande nome" que sondou para a montagem de "Rei
Lear" (1996), antes de fechar com
Ulysses Cruz.
Do primeiro, ouviu que os atores andariam "sobre uma camada
funda de bolinhas de gude, cobrindo todo o palco". O diálogo
com o segundo, que Paulo Autran
faz questão de reconstituir, é derrisório:
Diretor: "Já estou vendo o espetáculo: vamos cobrir o palco com
uma camada de 30 cm de serragem, onde os atores vão pisar!".
Autran: "Serragem não faz muita poeira?".
Diretor: "Não, é um tipo de
plástico em pedacinhos, que não
faz poeira".
"Depois que a gente fica velho,
sente-se muito mais livre para
opinar, tem menos compromissos. A idade nos liberta de muitas
coisas, uma das suas poucas vantagens", diz Autran à Folha.
Boa parte das fotos foi garimpada no acervo pessoal, ao lado do
produtor Germano Soares Baía.
Há colaborações fundamentais,
como a do Arquivo Multimeios/
Divisão de Pesquisas do Centro
Cultural São Paulo, que cuida do
acervo do fotógrafo alemão Fredi
Kleemann (1927-74). O projeto
gráfico é de Luciana Facchini.
Autran procura zelar pela documentação da carreira, que completa 60 anos em 2007. Em seu
apartamento, no bairro paulistano do Jardins, mantém um armário com álbuns de fotos e recortes
envelopados de críticas (inclusive
as negativas).
Já a memorabilia cênica é diminuta. Guarda um paletó que usou
em "A Amante Inglesa" (1983) e
um terno de "Seis Personagens à
Procura de um Autor" (1991), peça em que atuou ou dirigiu cinco
vezes em diferentes produções.
No final do livro, Autran afirma
que o ator não tem direito ao próprio corpo ou ao próprio rosto. As
imagens, de fato, espelham essa
metamorfose feita de bigodes, bigodinhos, bigodões, barrigas postiças ou cabelos pintados.
Lançamento: Paulo Autran: Sem Comentários (Cosacnaify; 270 págs., R$ 85)
Quando: seg., às 20h
Onde: Faap - Museu de Arte Brasileira
- terraço, prédio 1 (r. Alagoas, 903, SP,
tel. 0/ xx/11/3662-7198)
Quando: qua., às 20h
Onde: livraria Siciliano - shopping Pátio
Higienópolis (av. Higienópolis, 618, piso
Higienópolis, SP, tel. 0/xx/11/3823-2669)
Quando: dia 4/10, às 20h
Onde: livraria Arteplex (praia de
Botafogo, 316, Rio de Janeiro, tel. 0/xx/
21/2559-8776)
Texto Anterior: Rodapé: O acossado Próximo Texto: Disco "O Pequeno Príncipe" é reeditado Índice
|