São Paulo, sábado, 24 de setembro de 2005

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CRÍTICA/"ADIVINHE QUEM VEM PARA REZAR"

Montagem é passo menor em uma trajetória ousada

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

A vitalidade -e a eternidade, talvez- de um artista não pode ser medida por seus sucessos passados, pelos louros que ornam seu travesseiro. O artista criador, aquele que está um passo adiante da fórmula consagrada, se submetendo com volúpia à angústia do risco, é aquele que se mantém sempre atento para os talentos que despontam, para se associar a eles.
E é por essa razão, mais do que pelos seus erros e acertos, que Paulo Autran é o maior ator brasileiro. Adquiriu, é claro, uma enorme bagagem técnica em mais de meio século de carreira, o que o possibilita tornar interessante qualquer texto que escolhe interpretar. Mas é a ousadia que o mantém vital em cena. Tanto a que o fez enfrentar o "Édipo Rei", em 1967, quanto a que o levou a se associar em 1994 com o então desconhecido Grupo Armazém, na "Tempestade" de Shakespeare: o tempo não o esmorece.
Por isso, quem for ver "Adivinhe quem Vem para Rezar" para assisti-lo não se decepcionará. A elegância de seu humor e de sua postura, a inteligência com que compõe três personagens sucessivos, alternando uma composição física minuciosa com apartes quase espontâneos, que distanciam o público da tentação de reverenciá-lo como "monstro sagrado", são provas inegáveis da importância de se ter um ator assim na temporada.
Infelizmente, o espetáculo não segue esse padrão. O texto de Dib Carneiro Neto tem o mérito de abordar temas delicados, como a infidelidade ou o sentimento de culpa da classe média por ter se acomodado com a ditadura, sem cair no deboche nem na fábula moral.
Rompe convenções do realismo com uma espécie de realidade alternativa que permite a um filho, culpado por ter presenciado o adultério da mãe, assistir ao velório do pai, e/ou o do seu rival.
Porém, para evitar o melodrama de que se aproxima perigosamente (trovões pontuam frases, acertos de contas do passado definem "o que é ser homem"), uma ironia em riso amarelo acaba diluindo a trama. A honra se acomoda melhor com a conivência, parece "ensinar" a peça.

Limitações
O que há de sentencioso no texto afunda a performance de Claudio Fontana. Convencional em cena, dá impressão de procurar uma câmera imaginária ao proferir suas frases de impacto e acaba atuando sozinho, desperdiçando a grande oportunidade que tem.
O cenário de mau gosto rouba a cena sem acrescentar nada ao ambiente de igreja, muito devido a uma iluminação supérflua e confusa. Com essas limitações, pouco pode fazer o diretor da peça, Elias Andreato.
Mobilizado pelo prazer de estar em cena, sem a pretensão de fazer uma obra-prima a cada produção, Paulo Autran parece acima disso tudo. "Adivinhe Quem Vem para Rezar" é um passo menor de quem não se resigna a parar para descansar, lembrando sempre que o caminho permanece aberto. O prazer é todo nosso, senhor Paulo Autran.


Adivinhe Quem Vem para Rezar
 

Onde: Procópio Ferreira (r. Augusta, 2.823, Cerqueira César, SP, tel. 0/xx/11/ 3083-4475)
Quando: qui. e sex.: 21h30; sáb.: 21h; dom.: 19h. Até 18/12
Quanto: R$ 60 (qui. e sex.), R$ 70 (dom.) e R$ 80 (sáb.)


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