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CRÍTICA/"ADIVINHE QUEM VEM PARA REZAR"
Montagem é passo menor em uma trajetória ousada
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
A vitalidade -e a eternidade, talvez- de um artista
não pode ser medida por seus sucessos passados, pelos louros que
ornam seu travesseiro. O artista
criador, aquele que está um passo
adiante da fórmula consagrada, se
submetendo com volúpia à angústia do risco, é aquele que se
mantém sempre atento para os
talentos que despontam, para se
associar a eles.
E é por essa razão, mais do que
pelos seus erros e acertos, que
Paulo Autran é o maior ator brasileiro. Adquiriu, é claro, uma enorme bagagem técnica em mais de
meio século de carreira, o que o
possibilita tornar interessante
qualquer texto que escolhe interpretar. Mas é a ousadia que o
mantém vital em cena. Tanto a
que o fez enfrentar o "Édipo Rei",
em 1967, quanto a que o levou a se
associar em 1994 com o então desconhecido Grupo Armazém, na
"Tempestade" de Shakespeare: o
tempo não o esmorece.
Por isso, quem for ver "Adivinhe quem Vem para Rezar" para
assisti-lo não se decepcionará. A
elegância de seu humor e de sua
postura, a inteligência com que
compõe três personagens sucessivos, alternando uma composição
física minuciosa com apartes quase espontâneos, que distanciam o
público da tentação de reverenciá-lo como "monstro sagrado",
são provas inegáveis da importância de se ter um ator assim na
temporada.
Infelizmente, o espetáculo não
segue esse padrão. O texto de Dib
Carneiro Neto tem o mérito de
abordar temas delicados, como a
infidelidade ou o sentimento de
culpa da classe média por ter se
acomodado com a ditadura, sem
cair no deboche nem na fábula
moral.
Rompe convenções do realismo
com uma espécie de realidade alternativa que permite a um filho,
culpado por ter presenciado o
adultério da mãe, assistir ao velório do pai, e/ou o do seu rival.
Porém, para evitar o melodrama de que se aproxima perigosamente (trovões pontuam frases,
acertos de contas do passado definem "o que é ser homem"), uma
ironia em riso amarelo acaba diluindo a trama. A honra se acomoda melhor com a conivência,
parece "ensinar" a peça.
Limitações
O que há de sentencioso no texto afunda a performance de Claudio Fontana. Convencional em
cena, dá impressão de procurar
uma câmera imaginária ao proferir suas frases de impacto e acaba
atuando sozinho, desperdiçando
a grande oportunidade que tem.
O cenário de mau gosto rouba a
cena sem acrescentar nada ao ambiente de igreja, muito devido a
uma iluminação supérflua e confusa. Com essas limitações, pouco
pode fazer o diretor da peça, Elias
Andreato.
Mobilizado pelo prazer de estar
em cena, sem a pretensão de fazer
uma obra-prima a cada produção, Paulo Autran parece acima
disso tudo. "Adivinhe Quem Vem
para Rezar" é um passo menor de
quem não se resigna a parar para
descansar, lembrando sempre
que o caminho permanece aberto. O prazer é todo nosso, senhor
Paulo Autran.
Adivinhe Quem Vem para Rezar
Onde: Procópio Ferreira (r. Augusta,
2.823, Cerqueira César, SP, tel. 0/xx/11/
3083-4475)
Quando: qui. e sex.: 21h30; sáb.: 21h;
dom.: 19h. Até 18/12
Quanto: R$ 60 (qui. e sex.), R$ 70 (dom.)
e R$ 80 (sáb.)
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