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LITERATURA
Sete escritores, de Adriana Falcão a Jorge Furtado, buscam inspiração no sempre polêmico universo farmacológico
Autores extraem contos de bulas e pílulas
EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL
Manga com leite, está provado,
não faz mal. E Fanta com Frontal?
Bem, a mistura alaranjada, efervescente e ansiolítica pôde render
pelo menos um divertido conto,
um dos sete reunidos na coletânea "Tarja Preta", recém-lançada
pela Objetiva, que desafiou seus
autores a buscarem inspiração literária no universo dos fármacos.
"Tudo o que altera a consciência
e ajuda o artista a ver a realidade
de modo diferente é uma boa inspiração literária. Seja natural, como amor e medo; ou artificial, como remédios", indica o diretor
Jorge Furtado, autor de "Fanta
com Frontal", história de um jovem que tenta burlar sua inadequação ao mundo com a mistura.
Diretora editorial da Objetiva,
Isa Pessôa escreveu "A Noite", sobre uma colunista de jornal, às
voltas com receitas azuis e lapsos
de memória. Também autora do
convite feito aos outros escritores,
Pessôa ressalta que o objetivo do
livro era fazer um retrato da "nação tarja" e perceber a forma de
encarar humores e paixões, que
varia de acordo com a época.
"[Charles] Baudelaire sempre
preferiu o vinho ao ópio, já que a
bebida seria mais democrática e
tornaria os homens mais interessados em conversar, em estar juntos, do que o ópio, que alienaria
seu usuário da companhia dos
outros", lembra Pessôa.
"Nesse sentido, diria que todo
remédio que relaxa, tarja ou não,
e que é capaz de te seqüestrar da
espiral dos pensamentos, do abismo em que às vezes nos afogamos, pode ser bem-vindo e extremamente sociável, favorecendo o
exercício literário", prescreve.
Para Márcia Denser, autora de
"O Quinto Elemento", houve, há e
sempre haverá uma relação importante entre ela, anfetaminas e
sua personagem, Diana Marini.
Mas ela relativiza: o conto é ficção,
que pega carona na idéia de que
todo artista precisa de uma fagulha para ligar o motor da criação.
No caso, os comprimidinhos.
"E o grande barato foi precisamente descobrir esta relação entre escritora, anfetaminas e personagem. Sobretudo pela linguagem. Tive que segurar um "speed"
vertiginoso ao longo de 30 páginas, numa linguagem que chamamos de "hipermediada", onde cada efeito, frase, sentença é calculado. A aceleração simula o efeito
da anfetamina e para mim, naturalmente, ela é o mais literário dos
remédios."
O apresentador Pedro Bial assina "Dondon Experiência", história de um garoto cujo time de futebol de botão tinha jogadores
que atendiam por nomes como
Colubiasol e Lactopurga. E cujo
maior craque foi o Optalidon, o
tal Dondon do título, analgésico
das antigas, muitas vezes usado,
digamos, em consumo festivo.
Bial cita alguns clássicos da literatura que merecem o rótulo de
tarja preta, de "Romeu & Julieta"
ao beat William Burroughs, passando ainda por "Dr. Jekyll e Mr.
Hyde". E defende: a aspirina é o
mais literário dos remédios:
"Graças ao João Cabral de Melo
Neto", diz Bial, referindo-se ao
poema "Monumento à Aspirina",
em que o escritor pernambucano,
vítima de enxaquecas por quase
meio século, faz uma ode ao
"mais prático dos sóis, o sol de um
comprimido de aspirina: de emprego fácil, portátil e barato, compacto de sol na lápide sucinta".
Tarja Preta
Autores: Adriana Falcão, Isa Pessôa,
Jorge Furtado, Jorge Mautner, Luiz
Ruffato, Márcia Denser, Pedro Bial
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 33,90 (176 págs.)
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