São Paulo, sábado, 24 de setembro de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Autor inscreveu a incerteza na própria forma da narrativa

MARCELO PEN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Lançada em versão serializada pela "Collier's Weekly", "A Outra Volta do Parafuso" tornou-se talvez a ficção mais famosa de Henry James.
Ele a chamou de "amusette", uma distração despretensiosa, um folguedo. A simplicidade é aparente.
James nunca dispensa o empenho artístico, mesmo quando escreve para divertir. Ele tinha ouvido o caso, três anos antes, contado pelo arcebispo de Canterbury, numa casa de campo inglesa.
É no local de escapada favorito da alta burguesia inglesa, diante de uma lareira naturalmente acesa e uma plateia ávida, que é lido o relato de uma jovem preceptora, contratada para educar um casal de crianças órfãs.
A questão, conforme conclui depois a heroína, era que os pequenos Miles e Flora estariam sob a influência de dois antigos criados, mortos em circunstâncias estranhas.
James nos adverte de que não são fantasmas, mas entidades de ordem lendária como "duendes, elfos, diabretes, demônios".
Os seres solicitam as crianças. Estas, se caírem em seu encanto, estarão perdidas.
A jovem se convence de que deve fazer tudo para salvá-las.
Se essa é a questão para ela, para nós resta o fato de que, a despeito da advertência do autor, nós realmente não vemos os demônios. Ou melhor, só os vemos pelos olhos da narradora. E somente ela, na história, os vê.
Além, claro, das crianças, se é que elas os percebem; e este é um debate que já dura mais de cem anos.
Houve quem defendesse a existência dos demônios, como Richard Blackmur, enquanto outros, como Edmundo Wilson, advogam a tese de que são fruto da imaginação da preceptora, "jovem, inexperiente, nervosa", como frisa o conto.
David Bromwich, autor do posfácio do volume, sugere uma solução conciliadora baseada nas ideias do irmão de Henry, o pensador e psicólogo William James.
Se as aparições são reais, "devemos acrescentar que sua realidade é condicionada pelo caráter e pela situação" da preceptora.
Numa época em que o decoro e a frivolidade de uma sociedade obsedada por espetáculos (pensamos na plateia do início) obliteram tudo o que é autêntico, certo e confiável, James inscreve a dúvida e a incerteza na própria forma da narrativa, incluindo a fantástica.

MARCELO PEN é professor de teoria literária da USP

A OUTRA VOLTA DO PARAFUSO
AUTOR Henry James
EDITORA Companhia das Letras/Penguin
TRAD. Paulo Henriques Britto
QUANTO R$ 23 (200 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo




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