São Paulo, quinta, 24 de setembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O futuro no fim do túnel

EDUARDO GIANNETTI
Colunista da Folha

Épocas de mudança polarizam expectativas. A aceleração do tempo histórico torna o mundo menos previsível e nos convida a preencher o vácuo do futuro com as cores dos nossos ânimos primários e imaginação.
A dispersão das crenças sobre o que o futuro reserva é fonte de tanta angústia e perplexidade quanto a incerteza sobre o amanhã.
Para onde vai o mundo? As oscilações do ânimo coletivo parecem mimetizar o humor caprichoso e a volatilidade dos mercados financeiros globais.
Quando o futuro da economia mundial está em jogo, os surtos e crashes especulativos da imaginação humana parecem seguir de perto os movimentos de capitais. A forte tendência ao exagero ("overshooting") é a regra do jogo.
Quando os indicadores se movem na direção certa e o sopro da prosperidade ameaça varrer o mundo, a bolha especulativa se enche e a extrapolação antecipa o paraíso.
O entusiasmo contagiante fala mais alto -a "globeuforia" dá o tom. Só os tolos e fracassomaníacos é que não vêem.
Mas quando o tempo vira e a turbulência agita e sacode os mercados, o futuro imaginado escurece e o inferno está dobrando a esquina.
As bolas murcham e o catastrofismo desbragado rouba a cena -a "globofobia" dá o tom. Só os ingênuos e advogados comprados do capital é que não vêem.
O que eu me pergunto, entretanto, é onde estaríamos a essa altura se os nossos formadores de opinião -megaespeculadores no mercado de futuros-estivessem encarregados de administrar a poupança de terceiros.
Um antídoto contra o "overshooting" dos prognósticos em épocas de crise é o método indutivo.
Como alguns episódios do passado recente revelam, nada como a distância no tempo para colocar os acontecimentos numa perspectiva adequada e recuperar um certo senso de proporção.
O crash da Bolsa de Nova York, ocorrido em outubro de 87, é um exemplo. Enquanto a coisa acontecia, a sensação era de pânico e vertigem.
Cerca de um quarto do valor total das ações da maior economia do planeta haviam virado pó em menos de uma semana. Desde 29 -o indefectível precedente da razão catastrofista-nunca se vira nada parecido.
Enquanto para alguns comentadores aquilo era nada menos que "o fim de uma era", para outros era a certeza de que "o capitalismo nunca mais será o mesmo".
Na prática, como sabemos, a volatilidade das opiniões foi muito além da verificada no próprio mercado. Qualquer dúvida a respeito pode ser desfeita por meio de rápida visita aos jornais e revistas da época
O crash de 87, em retrospecto, não foi mais que um soluço -o prelúdio de um dos mais expressivos, ininterruptos e, por isso mesmo, preocupantes períodos de alta em Wall Street.
A vertigem da queda e do abismo deu lugar à "exuberância irracional" e à embriaguez das alturas.
A crise cambial mexicana do final de 94 foi outro episódio exemplar. Lembro-me vivamente do furor profético-acusatório com que ela foi saudada e celebrada pelos órfãos inconsoláveis do fim da Guerra Fria.
Um deles, num rasgo de inspiração memorável, chegou a cunhar a fórmula que sintetizava com perfeição o clima expectante daquele "momento histórico". Eis a pérola: "O colapso financeiro do México é o muro de Berlim do neoliberalismo".
Passados alguns meses, contudo, a poeira da crise mexicana começou a assentar e o espaço para o exercício da estridência globofóbica encolheu.
A recuperação do México, após um ano difícil, acabou sendo mais rápida e vigorosa do que até mesmo os mais otimistas estavam, àquela altura, ousando prever. Agora é a vez de as autoridades mexicanas insistirem em propagar ao mundo que "o México não é o Brasil".
Como entender a tendência ao "overshooting" no mercado de opiniões? É natural, até certo ponto, que períodos de turbulência gerem enorme ansiedade e apreensão. Vários fatores conspiram nessa direção.
Enquanto a crise está em pleno andamento, quem pode dizer com segurança até onde ela vai? Quem pode ter certeza do seu potencial destrutivo e desestabilizador?
As dificuldades que nos afligem têm um apelo e uma saliência que as diferencia das dificuldades vencidas, por mais terríveis que estas tenham sido no momento em que eram vivenciadas.
Após o pouso, a pane da turbina já não parece ter sido tão assustadora assim.
O consolo do raciocínio indutivo pode atenuar um pouco a ansiedade, funcionando como uma espécie de "circuit breaker" da imaginação desgovernada, mas os seus limites são claros.
Nenhuma generalização ou previsão indutiva contém mais informação do que a soma de suas ocorrências particulares conhecidas.
O fato de que todas as crises financeiras dos últimos anos tenham sido superestimadas e por fim desmentido os prognósticos que suscitaram não implica a inferência de que desta vez, portanto, também vai ser assim. O futuro nem sempre repete o passado. Um belo dia o cisne negro dá o ar de sua graça.
O máximo que se pode afirmar com segurança é que, à luz da experiência recente e do conhecimento teórico e prático hoje disponível sobre a dinâmica de crises financeiras, é extremamente improvável que a turbulência por que vem passando a economia mundial se encaminhe para uma situação de descontrole ou venha a repetir algo semelhante à Grande Depressão dos anos 30.
Por outro lado, o simples fato de que o "overshooting" opinativo tenha ocorrido de forma sistemática e recorrente no passado, gerando excessos de "globeuforia" e de "globofobia" ao sabor das flutuações do mercado, sugere que o erros de previsão estão longe de ser aleatórios, mas obedecem a uma lógica particular.
É impossível deixar de notar como as previsões e apostas especulativas dos formadores de opinião refletem em larga medida os seus sentimentos e desejos em relação ao que vai pelo mundo. Trata-se, ao que tudo indica, de um típico caso de pensamento desejoso ("wishful thinking") em ação.
Os que torcem a favor da globalização sempre conseguem encontrar razões para acreditar sinceramente que ela será bem-sucedida no futuro, não obstante as dores naturais do crescimento e os inevitáveis acidentes de percurso.
Aos que torcem contra ela, por sua vez, nunca parecem faltar razões para acreditar de boa-fé que o desastre será mais cedo ou mais tarde inevitável e que, apesar da sucessão de alarmes falsos no passado, desta vez é diferente e a crise é para valer.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.