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O futuro no fim do túnel
EDUARDO GIANNETTI
Colunista da Folha
Épocas de mudança polarizam expectativas. A aceleração
do tempo histórico torna o
mundo menos previsível e nos
convida a preencher o vácuo
do futuro com as cores dos nossos ânimos primários e imaginação.
A dispersão das crenças sobre
o que o futuro reserva é fonte
de tanta angústia e perplexidade quanto a incerteza sobre
o amanhã.
Para onde vai o mundo? As
oscilações do ânimo coletivo
parecem mimetizar o humor
caprichoso e a volatilidade dos
mercados financeiros globais.
Quando o futuro da economia mundial está em jogo, os
surtos e crashes especulativos
da imaginação humana parecem seguir de perto os movimentos de capitais. A forte tendência ao exagero ("overshooting") é a regra do jogo.
Quando os indicadores se
movem na direção certa e o sopro da prosperidade ameaça
varrer o mundo, a bolha especulativa se enche e a extrapolação antecipa o paraíso.
O entusiasmo contagiante fala mais alto -a "globeuforia"
dá o tom. Só os tolos e fracassomaníacos é que não vêem.
Mas quando o tempo vira e a
turbulência agita e sacode os
mercados, o futuro imaginado
escurece e o inferno está dobrando a esquina.
As bolas murcham e o catastrofismo desbragado rouba a
cena -a "globofobia" dá o
tom. Só os ingênuos e advogados comprados do capital é que
não vêem.
O que eu me pergunto, entretanto, é onde estaríamos a essa
altura se os nossos formadores
de opinião -megaespeculadores no mercado de futuros-estivessem encarregados de administrar a poupança de terceiros.
Um antídoto contra o "overshooting" dos prognósticos em
épocas de crise é o método indutivo.
Como alguns episódios do
passado recente revelam, nada
como a distância no tempo para colocar os acontecimentos
numa perspectiva adequada e
recuperar um certo senso de
proporção.
O crash da Bolsa de Nova
York, ocorrido em outubro de
87, é um exemplo. Enquanto a
coisa acontecia, a sensação era
de pânico e vertigem.
Cerca de um quarto do valor
total das ações da maior economia do planeta haviam virado pó em menos de uma semana. Desde 29 -o indefectível precedente da razão catastrofista-nunca se vira nada
parecido.
Enquanto para alguns comentadores aquilo era nada
menos que "o fim de uma era",
para outros era a certeza de
que "o capitalismo nunca mais
será o mesmo".
Na prática, como sabemos, a
volatilidade das opiniões foi
muito além da verificada no
próprio mercado. Qualquer
dúvida a respeito pode ser desfeita por meio de rápida visita
aos jornais e revistas da época
O crash de 87, em retrospecto,
não foi mais que um soluço
-o prelúdio de um dos mais
expressivos, ininterruptos e,
por isso mesmo, preocupantes
períodos de alta em Wall
Street.
A vertigem da queda e do
abismo deu lugar à "exuberância irracional" e à embriaguez
das alturas.
A crise cambial mexicana do
final de 94 foi outro episódio
exemplar. Lembro-me vivamente do furor profético-acusatório com que ela foi saudada e celebrada pelos órfãos inconsoláveis do fim da Guerra
Fria.
Um deles, num rasgo de inspiração memorável, chegou a
cunhar a fórmula que sintetizava com perfeição o clima expectante daquele "momento
histórico". Eis a pérola: "O colapso financeiro do México é o
muro de Berlim do neoliberalismo".
Passados alguns meses, contudo, a poeira da crise mexicana começou a assentar e o espaço para o exercício da estridência globofóbica encolheu.
A recuperação do México,
após um ano difícil, acabou
sendo mais rápida e vigorosa
do que até mesmo os mais otimistas estavam, àquela altura,
ousando prever. Agora é a vez
de as autoridades mexicanas
insistirem em propagar ao
mundo que "o México não é o
Brasil".
Como entender a tendência
ao "overshooting" no mercado
de opiniões? É natural, até certo ponto, que períodos de turbulência gerem enorme ansiedade e apreensão. Vários fatores conspiram nessa direção.
Enquanto a crise está em pleno andamento, quem pode dizer com segurança até onde ela
vai? Quem pode ter certeza do
seu potencial destrutivo e desestabilizador?
As dificuldades que nos afligem têm um apelo e uma saliência que as diferencia das
dificuldades vencidas, por
mais terríveis que estas tenham sido no momento em
que eram vivenciadas.
Após o pouso, a pane da turbina já não parece ter sido tão
assustadora assim.
O consolo do raciocínio indutivo pode atenuar um pouco a
ansiedade, funcionando como
uma espécie de "circuit breaker" da imaginação desgovernada, mas os seus limites são
claros.
Nenhuma generalização ou
previsão indutiva contém mais
informação do que a soma de
suas ocorrências particulares
conhecidas.
O fato de que todas as crises
financeiras dos últimos anos
tenham sido superestimadas e
por fim desmentido os prognósticos que suscitaram não
implica a inferência de que
desta vez, portanto, também
vai ser assim. O futuro nem
sempre repete o passado. Um
belo dia o cisne negro dá o ar
de sua graça.
O máximo que se pode afirmar com segurança é que, à luz
da experiência recente e do conhecimento teórico e prático
hoje disponível sobre a dinâmica de crises financeiras, é extremamente improvável que a
turbulência por que vem passando a economia mundial se
encaminhe para uma situação
de descontrole ou venha a repetir algo semelhante à Grande Depressão dos anos 30.
Por outro lado, o simples fato
de que o "overshooting" opinativo tenha ocorrido de forma
sistemática e recorrente no
passado, gerando excessos de
"globeuforia" e de "globofobia" ao sabor das flutuações do
mercado, sugere que o erros de
previsão estão longe de ser
aleatórios, mas obedecem a
uma lógica particular.
É impossível deixar de notar
como as previsões e apostas especulativas dos formadores de
opinião refletem em larga medida os seus sentimentos e desejos em relação ao que vai pelo mundo. Trata-se, ao que tudo indica, de um típico caso de
pensamento desejoso ("wishful
thinking") em ação.
Os que torcem a favor da globalização sempre conseguem
encontrar razões para acreditar sinceramente que ela será
bem-sucedida no futuro, não
obstante as dores naturais do
crescimento e os inevitáveis
acidentes de percurso.
Aos que torcem contra ela,
por sua vez, nunca parecem
faltar razões para acreditar de
boa-fé que o desastre será mais
cedo ou mais tarde inevitável e
que, apesar da sucessão de
alarmes falsos no passado, desta vez é diferente e a crise é para valer.
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