São Paulo, quarta-feira, 24 de outubro de 2001

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CRÍTICA

Documentário estilhaça janela da alma

COLUNISTA DA FOLHA

"Janela da Alma", de João Jardim e Walter Carvalho, é um dos documentários mais estimulantes surgidos nos últimos tempos. Sua estrutura é de uma enganosa simplicidade: um encadeamento de depoimentos de gente famosa e anônima em torno da difundida frase-feita, de origem agostiniana, segundo a qual "os olhos são a janela da alma".
Entre os depoentes há os que têm alguma deficiência visual (o estrábico Hermeto Pascoal, o fotógrafo cego Eugen Bavcar), os que trabalham profissionalmente com a imagem (os cineastas Wim Wenders e Walter Lima Jr., a artista plástica Carmela Gross) e os que têm refletido sobre o tema da visão e da cegueira (Oliver Sacks, José Saramago, Antonio Cícero).
A idéia dos olhos como janela da alma sai bastante abalada desse caleidoscópio de impressões, experiências e reflexões.
Wim Wenders, por exemplo, diz que só consegue ver o mundo através da moldura de seus óculos: "Sem esse enquadramento, a realidade me parece excessiva".
Para Oliver Sacks, a frase "janela da alma" traz a falsa idéia de que a visão é uma faculdade apenas passiva, pela qual o indivíduo percebe "o mundo como ele é".
Segundo o autor de "Um Antropólogo em Marte", o ato de ver está carregado de subjetividade, de tal maneira que o que vemos é inevitavelmente "contaminado" por nossa cultura, nosso desejo e nosso afeto.
Há, em outra passagem tocante do documentário, uma comprovação prática dessa dimensão volitiva do olhar. É o momento em que Agnès Varda conta como filmou o marido, o também cineasta Jacques Demy, pouco antes de ele morrer de câncer.
A diretora diz que quis apoderar-se da imagem do amado, como se não quisesse deixar a morte levá-lo. E as imagens que vemos são, de fato, impressionantes: o rosto, os braços e as mãos de Demy são filmados de tão perto que se tornam paisagens, nas quais os pêlos são uma relva e as rugas são sulcos na terra. Há uma espécie de integração cósmica entre o observador e o observado. Sujeito e objeto se fundem. Isso talvez se possa chamar de amor. (JOSÉ GERALDO COUTO)


Janela da Alma     
Direção: João Jardim e Walter Carvalho
Produção: Brasil, 2001
Quando: hoje, às 15h55, na Sala UOL




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