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CRÍTICA
Documentário estilhaça janela da alma
COLUNISTA DA FOLHA
"Janela da Alma", de João
Jardim e Walter Carvalho, é
um dos documentários mais estimulantes surgidos nos últimos
tempos. Sua estrutura é de uma
enganosa simplicidade: um encadeamento de depoimentos de
gente famosa e anônima em torno
da difundida frase-feita, de origem agostiniana, segundo a qual
"os olhos são a janela da alma".
Entre os depoentes há os que
têm alguma deficiência visual (o
estrábico Hermeto Pascoal, o fotógrafo cego Eugen Bavcar), os
que trabalham profissionalmente
com a imagem (os cineastas Wim
Wenders e Walter Lima Jr., a artista plástica Carmela Gross) e os
que têm refletido sobre o tema da
visão e da cegueira (Oliver Sacks,
José Saramago, Antonio Cícero).
A idéia dos olhos como janela
da alma sai bastante abalada desse
caleidoscópio de impressões, experiências e reflexões.
Wim Wenders, por exemplo,
diz que só consegue ver o mundo
através da moldura de seus óculos: "Sem esse enquadramento, a
realidade me parece excessiva".
Para Oliver Sacks, a frase "janela
da alma" traz a falsa idéia de que a
visão é uma faculdade apenas
passiva, pela qual o indivíduo percebe "o mundo como ele é".
Segundo o autor de "Um Antropólogo em Marte", o ato de ver está carregado de subjetividade, de
tal maneira que o que vemos é
inevitavelmente "contaminado"
por nossa cultura, nosso desejo e
nosso afeto.
Há, em outra passagem tocante
do documentário, uma comprovação prática dessa dimensão volitiva do olhar. É o momento em
que Agnès Varda conta como filmou o marido, o também cineasta Jacques Demy, pouco antes de
ele morrer de câncer.
A diretora diz que quis apoderar-se da imagem do amado, como se não quisesse deixar a morte
levá-lo. E as imagens que vemos
são, de fato, impressionantes: o
rosto, os braços e as mãos de
Demy são filmados de tão perto
que se tornam paisagens, nas
quais os pêlos são uma relva e as
rugas são sulcos na terra. Há uma
espécie de integração cósmica entre o observador e o observado.
Sujeito e objeto se fundem. Isso
talvez se possa chamar de amor.
(JOSÉ GERALDO COUTO)
Janela da Alma
Direção: João Jardim e Walter Carvalho
Produção: Brasil, 2001
Quando: hoje, às 15h55, na Sala UOL
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