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MÚSICA
"Tutano" é o primeiro álbum do artista paulistano desde 1982 e tem participações de Arnaldo Antunes e Anvil FX
Walter Franco volta ao disco após 19 anos
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Cantor e compositor revelado
em festival, o paulistano Walter
Franco, 56, ainda acompanha a
sazonalizade dos festivais. Seu novo disco, "Tutano", chega um ano
após a participação no Festival da
Música Brasileira da Globo, e é o
primeiro que ele lança em 19 anos.
Antes, "Walter Franco" (82)
viera a reboque da participação de
"Serra do Luar" no festival MPB
Shell 81, também da Globo. E são
íntimas as relações entre as canções "Canalha" (79), "Muito Tudo" (75) e "Cabeça" (73) com, respectivamente, os álbuns "Vela
Aberta" (80), "Revolver" (75) e
"Ou Não" (73, o de estréia).
Franco reflete sobre tais relações: "Não atribuo o novo disco
ao festival, porque as negociações
com (a gravadora independente)
YB Music já estavam evoluídas
quando resolvemos participar".
Relativiza a afirmação: "Mas
acredito que tenha sido importante também. Eu precisava um
pouco daquilo, de não viver só do
passado, não ser só aquele que fez.
"Zen" é parte daquilo que estou fazendo agora. Assim posso dizer
que estou prosseguindo viagem".
Artista de pop e MPB forrados
de experimentalismo e muitas vezes tido como "maldito", Franco
pode passar a impressão de que a
lógica competitiva do mercado e
o estigma da "maldição" foram
turvando sua carreira musical
-um raciocínio que já parte do
ponto de vista comercial.
"Nem mesmo enquanto estava
mais presente eu busquei essa fórmula de um disco por ano. Meu
trabalho nunca foi promovido a
partir de jogada de marketing, de
promoção exacerbada. Sempre
foi a médio e longo prazo", avalia.
Mas ele não deixa de admitir as
dificuldades por que passou sua
geração, educada nas cartilhas do
concretismo e da tropicália: "Nos
anos 70, havia um interesse maior
pela linguagem da minha geração, que chegou a ser chamada de
"a geração de briga". Até grandes
gravadoras tiveram interesse, naquele período, pela nossa linguagem. O interesse não deixou de
existir, mas se relativizou".
Demarcando que a constância
em disco nunca foi um dos nortes
de sua carreira excêntrica, não
dissimula os sentimentos que a
volta com "Tutano" lhe provoca:
"Nem fale, nem fale. É o melhor
momento de minha vida, porque
é quando a gente deixa de separar
a vida da obra. Minha felicidade é
muito grande".
A obra e a vida hoje são, então,
feitas das regravações de duas
canções de festival ("Cabeça" e
"Muito Tudo"), da apresentação
da de "Zen" e de mais 11 músicas
inéditas. Participam nomes como
Arnaldo Antunes, João Parahyba
(Trio Mocotó), Alberto Marsicano, Lívio Tragtenberg, Nuno
Mindelis, os "eletrônicos" Anvil
FX e Apollo 9 e outros. O produtor é Constant Papineau, ex-integrante do esquecido grupo roqueiro dos 70 O Peso.
Mantém-se a paixão por aliterações e por construções de natureza concretista, mas ele recusa a
idéia de que essa seja hoje uma
prática datada. "Tento fugir da
fórmula, do clichê. Minha aproximação com a poesia concreta é
abstrata, me sirvo até de ditos populares, como em "Quem Puxa
aos Seus Não Degenera"."
Ícone da resistência ao regime
militar pelo teor político que foi
sendo atribuído às suas canções
nos 70, ele diz que mudou, mas
sem abandonar aquela veia. "É
óbvio que hoje me sinto mais confortável comigo mesmo do que
quando era mais jovem. Mas a sonoridade do disco briga um pouco com tudo isso que está acontecendo aí", afirma.
"Há uns mantras no CD, me
disponho à simplicidade de não
assumir uma atitude discursiva.
Não queria fazer um discurso crítico, mas antigo", diz, exemplificando com os versos "quem tem
tutano/ tutano tem/ quem não
tem tutano/ tutano não tem".
Ele explica: "A conclusão vai depender de quem ouve, não estou
ali dizendo que você deve ou não
deve ter tutano. Acho que a força
da poesia é deixar as pessoas pensarem com a própria cabeça. É
minha única forma de reencontrar a delicadeza". A conclusão vai
depender de quem ouvir.
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