São Paulo, quarta-feira, 24 de outubro de 2001

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CRÍTICA

Músico encontra o "zen" com linguagem de outra época

DA REPORTAGEM LOCAL

Ele surgiu sendo somente "Cabeça", ele já tentou manter o "Coração Tranquilo". Hoje, passados quase 30 anos do início da história e quase 20 da interrupção da carreira fonográfica, Walter Franco demonstra-se disposto a buscar o "zen", o equilíbrio neutro entre cabeça e coração.
"Tutano" é o resultado dessa procura, e isso não significa conformismo, mesmo quando as letras da pesada e compacta faixa-título e da hierárquica "Quem Puxa aos Seus Não Degenera" induzem a certa impressão de imobilismo, ou de "tanto faz".
É em "Zen", a música do festival com versos da parceira Cristina Villaboim, que essa suspeita ameaça se dissolver: "Tá tudo tão torto/ mas tá tudo bem/ tá tudo tão turvo/ mas tudo está bem". Pode haver imobilidade, mas isso não causa conforto, nunca.
O desconforto vem não só da constatação de que por baixo da tranquilidade aparente há o "torto" e o "turvo", mas também, inevitavelmente, da quantidade enorme de tempo que se esconde nos interstícios do "Tutano" de Walter Franco.
Dos anos em que ele chocou algumas cabeças brasileiras com sua receita de concretismo pós-tropicalista de protesto até hoje, o prato musical e poético que Franco serviu ao Brasil envelheceu.
É difícil ouvir o CD sem a impressão de estar em contato com o antigo, com algo que pertence a outra época (por isso a letra de "Gema do Novo" soa algo caricatural em sua voz experiente).
Isso acontece, por mais que músicos contemporâneos competentes como Apollo 9 e Anvil FX enriqueçam faixas como "Tutano", "Senha do Motim" e "Acerto com a Natureza". E acontece pelo peso aquático, setentista, de arranjos repletos de vibrafones (por Guga Stroeter) e teclados (por Anvil FX e Constant Papineau).
O perigo do juízo de valor virá sobressaltar esse ponto -o do sabor de antiquário-, mas quem queira acompanhar a evolução e a continuação do que não é mais novo encontrará em Walter Franco e em "Tutano" um pequeno, tranquilo e esmerado parque de diversões conceituais e musicais.
Como se ouve em "Na Ponta da Língua", "Totem", "Quem Puxa aos Seus Não Degenera" e outras, as letras cortantes, a voz doce e as melodias colantes de Walter Franco são cordas afinadas de um mesmo instrumento, diligentes em servir à cabeça e ao coração, tudo junto. E ele se faz, de fato, o senhor "zen" que sonhava ser.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Tutano    
Artista: Walter Franco
Lançamento: YB Music
Quanto: R$ 25, em média




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