São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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MÚSICA

Quando morava no Rio, o célebre gatuno britânico fez composições para filme autobiográfico que nunca foi realizado

Trilha perdida revela lado músico de Ronald Biggs

RONALDO EVANGELISTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Ronald Biggs sabia viver bem. Além de suas ocupações mais famosas -assaltante de trem, fugitivo da polícia britânica, gringo celebridade no Rio de Janeiro-, ele também alimentava interesses como cinema e música.
Foi logo depois que chegou ao Brasil, no começo dos anos 70, que começou a bolar a idéia de fazer um filme sobre sua vida.
Seria a maneira perfeita de se tornar famoso contando sua história e aproveitar para se divertir mais um pouco, tirando um sarro das autoridades inglesas.
Acontece que ninguém se interessou em bancá-lo, e o filme nunca foi para a frente. Curiosamente uma trilha sonora foi gravada em 1974 e está sendo lançada agora, numa época em que Biggs, 75, passa por maus bocados.
Desde que voltou à Inglaterra em 2001, ele está preso em Londres e seu estado de saúde, após três derrames, é crítico.
Biggs chegou ao Brasil em 1970, depois de uma operação plástica, sob a identidade de Michael Haynes. Trabalhando como marceneiro, conheceu o baixista americano Bruce Henry, que já havia feito parte da banda de Gilberto Gil e participava ativamente da cena musical brasileira da época.
Tornaram-se amigos e quando surgiu a idéia do filme, Henry topou co-produzir a trilha ao lado de Biggs, com a colaboração de músicos como o guitarrista Jaime Shields, o saxofonista Nivaldo Ornellas e o pianista Guilherme Vaz.
"A história é fascinante", diz Henry, que ainda mora no Rio e atualmente faz parte de uma dupla de contrabaixo e sapateado. "O Ronald Biggs é a estrela do disco, só não está cantando. Quem fez a história foi ele. Ele tomou a vida nas mãos e tentou mudá-la. Ele realmente fez alguma coisa, assaltou um trem. Não estou dizendo que eu apóio (risos), mas é claro que, nesse sentido, ele experimentou fazer algo."
Henry conta que o disco foi feito como se fosse um "storyboard", com um roteiro. Biggs narrava toda a sua história de vida, dividida por capítulos, e as composições eram feitas buscando o clima de cada evento. O resultado é um álbum "intenso", nas palavras do músico. "É cheio de energia, é rápido, é agressivo. Até cansa ouvir. É muito bom musicalmente, mas não é uma coisa que você vai sentar e botar sua mãe pra escutar."
Com uma sonoridade jazz-rock, o disco foi gravado de forma independente, um conceito novo na época, especialmente para um álbum instrumental. Depois de algumas tentativas frustradas de vender o material para uma gravadora - segundo Henry, porque Biggs queria "um monte de dinheiro"-, as fitas foram esquecidas em alguma estante de sua casa, onde ficaram tomando poeira até a gravadora inglesa Whatmusic, especializada em raridades brasileiras, entrar em contato.
É de imaginar se Biggs, creditado como "inspiração e contador de histórias", não se ofereceu para cantar na trilha sonora de sua vida, como fez com a banda punk Sex Pistols em 1978. "Ele chegou a querer cantar no disco, sim. Mas nos levávamos muito a sério e não deixamos. Foi a maior burrice, teria ficado interessante. Mas ele cantava realmente muito mal."


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