São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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CRÍTICA

"Começar de Novo" deve rever estratégias

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Com o começo bastante bem-sucedido de "Escrava Isaura" -a novela bateu o SBT no horário entre 18h55 e 19h50 e atingiu índices de audiência significativos- talvez a Globo tenha que rever as estratégias para "Começar de Novo". É uma novela anódina, sem brilho especial, que talvez seja parcialmente engolida à medida que o remake do folhetim engrene.
De certa forma, o que funciona em "Começar de Novo" é só o núcleo duro de qualquer novela: desencontros cá e lá, amores desejados e impossíveis, ou possíveis mas indesejados, gente ruim que se dá bem, gente boa que se dá mal, um tantinho de questões que se pretendem mais coletivas etc. etc. Ou seja, "Começar de Novo" se conduz quase que só pela fórmula, como se fosse simplesmente uma a mais na linha de montagem.
Nesse sentido, "Escrava Isaura" provavelmente estará melhor. Receita por receita, a do novelão que conta o drama da escrava branca perseguida pelo senhor cruel já foi testada e retestada. Além disso, o fato de "ser de época" permite esparramar a fórmula até o paroxismo, coisa que as novelas contemporâneas ansiosa por "realismo" não podem. E, por um desses paradoxos da ficção, os sentimentos desbragados, as vilanias ultrajantes, a inocência ameaçada, os amores imorredouros são tão mais verossímeis quanto exagerados.
O tema da vingança, mote do personagem principal de "Começar de Novo", exige tintas fortes, tramas macabras, intrigas muito bem elaboradas. Nada que combine muito com o clima solar e juvenil que se tornou quase que obrigatório para o horário das sete. Mais problemático é fazer do galã o vingador. Aquele que vai para vingar não pode ter nenhuma piedade ou clemência em relação àqueles que acredita culpados pelo seu infortúnio -o vingador, por definição, é implacável, como bem sabiam os filmes de faroeste.
Outro ponto fraco da novela são os adereços, que costumam distinguir uma novela da outra, a ambientação, as temáticas que funcionam como pano de fundo, as referências externas. Há tempos que não se reunia um conjunto tão sem imaginação. Começa que o dado de exotismo escolhido -a ascendência russa do personagem principal- tem poucos ecos no imaginário brasileiro. Além disso, a Rússia produzida pelo Projac simplesmente ignora os quase 70 anos de regime soviético, o que talvez fosse uma das poucas noções sobre aquele país que ainda esteja na cabeça dos telespectadores.
Quanto ao racismo, não há problema em "repetir" assunto, dado que foi um dos eixos da novela anterior, "Da Cor do Pecado". A violência mal disfarçada das relações raciais no Brasil é tema urgente, complicado e que merece todos os esforços de esclarecimento. Por enquanto, está circunscrito ao drama do adolescente Lucas (Guilherme Bernard). Se evoluir em alguma direção mais corajosa, talvez seja o diferencial que está faltando.


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