São Paulo, sexta, 24 de outubro de 1997.




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"Antígone" perde o rito na atuação do elenco

da Reportagem Local

Para alguns autores, "Antígone" é a mais "cristã", por assim dizer, das tragédias do grego Sófocles (c. 469-399 a.C.). É aquela em que, por exemplo, a protagonista mártir -que escolhe a lei divina sobre a injusta lei humana- mais se aproximaria de uma Joana D'Arc. Em que ela se entrega confiante ao sacrifício.
O esforço de Antígone para sepultar o irmão Polinices, contra a ordem de Creonte, rei de Tebas, mas escudando-se na Justiça da lei divina e "eterna", é de um heroísmo bastante reconhecível, familiar, até mesmo "atual".
Em tal visão, talvez não houvesse uma tragédia clássica mais adequada a uma sociedade como a brasileira. (Aliás, é mesmo das poucas que alcançaram um lugar definitivo na história das grandes montagens do país.)
E é curioso agora como, na nova montagem em cartaz no Tuca, a tragédia de Sófocles é mencionada como surpreendente "pela atualidade". Pelo enfrentamento do poder, da violência tirânica, escudando-se na Justiça.
Mas "Antígone" não vem com uma roupagem cristã. Surge "antropofágica", com imensa confusão de referências rituais, deglutindo de tudo um pouco, à moda de Oswald de Andrade.
Os rituais que vão se amontoando a cada cena, como se fossem quadros de circo, têm origem africana, oriental, esotérica, indígena brasileira, o que mais quiserem.
Cenografia e figurinos reportam-se em parte ao artista e louco Arthur Bispo do Rosário. Antonin Artaud é um outro norte.
Um tal amontoado de disparidades surge inesperadamente coeso, pelas mãos do diretor Carlos Gardin, na cenografia, nos objetos de cena, nas máscaras, nas coreografias. A tragédia clássica se revela no espetáculo, quando são esses elementos que predominam.
Nem tanto, porém, na interpretação. Gardin não conseguiu injetar em seu elenco, quando em atuação individual, a coesão alcançada entre o texto e sua encenação antropofágica. São atores, ao que parece, ainda iniciantes, inexperientes -e estranhamente cerimoniosos, no mau sentido, diante do grande texto clássico.
Em um ou outro momento, chegam a indicar proximidade, mas perdem-se logo em declamação vazia, formal.
Talvez por representar o personagem mais "humano" que é Ismene, Marisette Corrêa alcança algum relevo. O mesmo vale para Adilson Estevam, que faz Tirésias.
É pouco, num espetáculo que, pelo texto e pela "mise-en-scène", bem permitiria um vôo de maior liberdade e principalmente coragem na interpretação. (NS)

Peça: Antígone Com: Luce Diogo, Guilherme Jorge, Leonardo Cortez e outros Quando: sex e sáb, às 21h; dom, às 20h Onde: Tuca Arena (r. Monte Alegre, 1.024, tel. 011/873-3422) Quanto: R$ 10


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