São Paulo, segunda, 24 de novembro de 1997.




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Portinari volta ao Masp
Museu abriga maior mostra póstuma do artista, com mais de 200 obras, e propicia revisão crítica de sua produção

Reprodução
Já no fim da carreira, em 1959, seriamente debilitado pelo chumbo das tintas que utilizava, Portinari realizou "Enterro", singelo óleo em madeira, em que recupera a luta solitária de seus caros personagens populares


"Espantalhos", óleo de 1940 "Retirantes" (1944), tela do Masp "Menina Sentada", tela de 1943
CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

A vida e a obra de Candido Torquato Portinari (1903-1962), o Candinho, são cheias de contradições, como poderá ser observado na Retrospectiva Portinari - Drama e Poesia, que o Masp (Museu de Arte de São Paulo) inaugura hoje para convidados.
Com mais de 200 obras em cartaz, é a maior exposição póstuma realizada sobre o artista de Brodósqui. A retrospectiva anterior, em 1970, reuniu no mesmo Masp cem obras.
A mostra, que tem curadoria do Projeto Portinari (responsável pela organização e divulgação da obra e imagem do artista), traz desde o seu primeiro desenho documentado -um retrato de Carlos Gomes de 1914- até um dos últimos: um óleo sobre tela inacabado em que retrata uma índia Carajá, datado do ano de sua morte.
A primeira contradição aconteceu logo no início de sua carreira artística, quando teve que dar um passo para trás para dar dois passos adiante.
Em 1924, sua tela "Baile na Roça" não foi aceita no salão anual da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio, onde estudava, pois não se adequava aos arcaicos padrões artísticos da instituição.
Quatro anos mais tarde, cedeu e inscreveu "Retrato do Poeta Olegário Mariano", tela que lhe valeu uma viagem à Europa como prêmio. "Baile na Roça" foi logo vendida e permaneceu desaparecida por mais de 50 anos, sendo reencontrada graças ao trabalho do Projeto Portinari.
Outra contradição do artista foi de ordem ideológica. Mesmo sendo um homem de esquerda, filiado ao Partido Comunista Brasileiro, pelo qual concorreu a vagas de deputado federal e senador (sem ser eleito), Portinari mantinha estreitas relações com Gustavo Capanema, ministro da Educação de Getúlio Vargas, e acabou sendo consagrado como o pintor oficial do totalitário Estado Novo.
Diz-se que a apologia que o pintor faz do homem negro, apresentado sempre como heróico e viril, mesmo em suas tarefas mais ordinárias, como nas telas "Lavrador de Café", "Café" e "Mestiço" (todas na mostra), teria sido sugestão de Capanema.
Nova contradição estilística se apresenta quando Portinari se utiliza de técnicas apreendidas em sua viagem à Europa. O pintor é um fã ardoroso do cubismo de Picasso, mas não consegue solucionar problemas como a relação entre fundo e figura. Se suas imagens sugerem fragmentação e superfícies planas, o fundo ainda apresenta a perspectiva negada pelo cubismo.
Sua última contradição custou-lhe a vida. Mesmo sabendo que estava sendo intoxicado pelo chumbo presente nas tintas que utilizava, principalmente nos tons de amarelo, nunca deixou de pintar. Morreu assim, prematuramente, vítima de seu desejo de pintar, e acabou deixando uma carreira extensa, porém inacabada.

Mostra: Retrospectiva Portinari - Drama e Poesia Onde: Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 011/251-5644, Cerqueira César) Vernissage: hoje, às 20h (apenas para convidados) Quando: ter. a sex., das 10h às 22h; sáb. e dom., das 8h às 22h. Até 1º de fevereiro Quanto: R$ 8 e R$ 4 (estudantes). Entrada franca para menores de 10 anos, maiores de 65 anos e escolas públicas



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