São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2000

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Vindo de turnês no Japão e na América Latina, grupo cubano faz show único em SP
Hasta la Buena Vista

Associated Press
Ibrahim Ferrer (ao centro), Omara Portuondo e Rubén González



"Clube" Buena Vista volta ao Brasil com seus "sócios" mais ilustres: Ibrahim Ferrer, Omara Portuondo e o pianista Rubén González, que se apresentam na próxima quinta-feira no Via Funchal


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O telefone toca em uma suíte do hotel cinco estrelas Hilton, em Buenos Aires. A voz macia e grave, esculpida com muito bolero, atende com um retumbante "buenas tardes". Ibrahim Ferrer está animado. "Estou cercado de damas", explica o cantor.
O astro cubano de 73 anos não consegue disfarçar a alegria. Os sorrisos lhe acompanham há três anos, quando deixou a rotina de engraxate septuagenário em Havana para vestir uma espécie de sapato de cristal.
Na próxima quinta, a saga desse Cinderelo da música cubana continua. Dono de vendagens de mais de 10 milhões de CDs e tema de documentário de Wim Wenders indicado ao Oscar, o grupo Buena Vista Social Club, formado em 1997 por iniciativa do guitarrista americano (e cão farejador) Ry Cooder, estará no Brasil.
Ao lado dos "sócios" mais ilustres do "clube" cubano, a cantora Omara Portuondo e o pianista Rubén González, Ferrer faz apresentação única no Via Funchal, em São Paulo. "Adoro a música brasileira e as mulheres daí, todas muito bonitas", conta, com entonação sapeca. "Só não diga aí que sou um conquistador", pede Ferrer. "Conquistador era meu pai. Não fui, nem sou."
Não fui, nem sou é o tipo de idéia mais comum no discurso de Ferrer. "Não me sinto como Michael Jackson. Esse mundo do sucesso não afetou minha mente. Se me deixasse afetar por esse universo, me chamaria José, não Ibrahim. Sou Ibrahim. Sinto que sou como eu sou", explica o vencedor deste ano do Grammy latino de "artista revelação" (!).
A principal mudança, segundo ele, é que agora ele pode cantar o que quer. "Antigamente não me deixavam cantar boleros."
A segunda mudança, explica, é que agora ele "tem uma posição". "Agora posso ajudar minha família", explica o cantor, que até 97 vinha faturando US$ 15 por mês lustrando os sapatos dos moradores de Havana.
"Meu nome é Ibrahim Ferrer. O mesmo amigo. O mesmo companheiro. O mesmo vizinho. O mesmo pai. O mesmo avô. O mesmo bisavô. Sou o mesmo em tudo. Para mim, não houve realmente nenhuma grande mudança. Continuo sendo igual. Só que posso cantar os boleros."
Esse é o ritmo preferido de Ferrer, o "embalo" que ele quer trazer de volta aos brasileiros, que já puderam assisti-lo no Heineken Concerts, em 1999. "Farei o melhor que posso."
Satisfação mesmo ele demonstra ao mostrar que os jovens cubanos começam a valorizar esse esforço. "Não me davam bola. Agora os jovens cubanos estão prestando mais atenção nas músicas que o Buena Vista toca. Não sei qual era o problema, mas penso que é porque havia muita salsa. Agora eles estão podendo ver isso de perto."
Entre os novos fãs do conjunto de Ferrer, está um sr. chamado Fidel Castro. Esquivo de qualquer declaração sobre a política interna cubana, o cantor se limita a dizer: "Quero que saiba que Fidel fala muito, muito, muito bem de nosso grupo. Nos encontramos com ele duas vezes. Ele é uma ótima pessoa, nos trata bem e podemos agir naturalmente com ele".
Despistes é o que Ibrahim Ferrer faz também quando o assunto é seu novo disco solo. O músico, que diz ter nascido em uma casa noturna e que canta desde os 14 anos, gravou seu primeiro trabalho individual apenas depois da onda "Buena Vista", em 1998.
Agora ele prepara o segundo CD, seguindo o "mesmo corte do primeiro". Apesar de se dizer apaixonado pela canção brasileira, conta que não vai gravar nada daqui, "pelo menos por enquanto". Carmen Miranda seria sua primeira opção. "Creio que ele já morreu, não?", pergunta.
Enquanto isso, vai fazendo "xizinhos" no calendário de apresentações que já inclui compromissos até abril de 2001, dos Estados Unidos a Singapura.
O próximo destino é a terra do Tio Sam. Ele passa o Ano Novo cantando em um teatro em Nova York, com a trupe do Buena Vista. No filme de Wim Wenders, Ferrer declarava, durante uma turnê na qual se apresentou no majestoso Carnegie Hall (NY), que precisava aprender inglês. "Já aprendi tudo o que eu achava necessário: "Hello. Yes. How are you?". De resto, Omara é quem me serve de intérprete."
Ao lado de Ferrer, a cantora se manifesta ao ouvir seu nome mencionado. "Tudo bem. Se você quer falar com Omara, eu permito. Mas me devolva ela logo." O cantor diz então que seu maior sonho é ver um Carnaval brasileiro e se despede com a voz esculpida pelos boleros. "Hasta luego."


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