São Paulo, sexta-feira, 24 de dezembro de 2004

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CINEMA

Filmes como "Sobrevivendo ao Natal", "Um Natal Muito, Muito Louco" e "Papai Noel às Avessas" zombam da data

Na tela, Natal se torna a estação do cinismo

SHARON WAXMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM LOS ANGELES

O que aconteceu com as expressões de alegria e conforto?
No passado, os filmes de Natal eram definidos pelo exemplo da cálida jornada de James Stewart em "A Felicidade Não se Compra". Mais recentemente, as coisas se tornaram sombrias.
Com filmes como "Sobrevivendo ao Natal", "Um Natal Muito, Muito Louco" e "Papai Noel às Avessas", do ano passado, o Natal de acordo com Hollywood, se tornou algo a ser suportado, em vez de celebrado, e o sentimento vem gerando todo um gênero de filmes sazonais que criticam as festas em lugar de comemorá-las.
Em "Sobrevivendo ao Natal", que começa com uma velhinha se suicidando ao enfiar a cabeça no forno, Ben Affleck interpreta um executivo fútil que paga a uma família que vive na casa em que cresceu para recriar suas memórias natalinas de infância. Em "Um Natal Muito, Muito Louco", Tim Allen é atacado por todo o bairro ao decidir que vai passar as últimas semanas do ano no Caribe, em vez de tirar do porão seu boneco de neve natalino.
Os temas não são novos. O sucesso "Um Duende em Nova York", que faturou bem tanto nas bilheterias de cinema em 2003 quanto no mercado de DVDs neste ano, traz Will Ferrell como um eterno otimista que só se depara com cinismo e cara feia em sua visita a Manhattan na temporada de festas. E, em "Papai Noel às Avessas", Papai Noel é literalmente um vilão criminoso cujo plano é roubar uma loja de departamentos.
Já em 1989, "Férias Frustradas de Natal" zombava das festas. Mas foi o sucesso "Esqueceram de Mim", com Macaulay Culkin, em 1990, que realmente deu vida à tendência. No filme, um menino passa o Natal sozinho em casa, impedindo que bandidos cometam um roubo. De lá para cá, Hollywood desenvolveu um subgênero de comédias natalinas, entre as quais "Meu Papai É Noel", de 1994, e a continuação, filmada em 2002; "Um Herói de Brinquedo", de 1996; e "O Grinch" (2000).
Será o fim da ingenuidade natalina? Hoje em dia, "as pessoas zombam do Natal", diz David Thomson, historiador do cinema que acaba de publicar uma história da indústria cinematográfica, "The Whole Equation" [A Equação Inteira]. "Acredito que hoje o mais comum seja interpretar o Natal como essa pavorosa ocasião familiar que reúne parentes que não se gostam para beber e brigar. Muitos dos filmes de Natal recentes funcionam desse jeito."

Valores natalinos
O velho gênero de filmes natalinos repletos de valores continua a existir, mas parece ter migrado da tela grande para a TV, que exibe James Stewart fielmente a cada a ano, e na qual nesta temporada de festas os telespectadores poderão assistir às mais recentes fábulas natalinas, como a versão musical que a NBC produziu para "A Christmas Carol", e, na CBS, "A Very Married Christmas" e "When Angels Come to Town".
Um filme mais tradicional para cinema, como "O Expresso Polar", da Warner Brothers, baseado em um livro infantil sobre uma viagem ao pólo Norte, é mais exceção que regra. O filme, que custou US$ 170 milhões, mostrou desempenho à moda antiga, aliás, acumulando lentamente as receitas de bilheteria (US$ 110 milhões até agora), em lugar de encontrar sucesso ou fracasso instantâneos muito mais comuns hoje em dia.
"Sobrevivendo ao Natal" estreou em outubro nos EUA, e fracassou rapidamente. Mas "Um Natal Muito, Muito Louco", de novembro, faturou respeitáveis US$ 54,8 milhões até agora.

Há limites
Ainda assim, há limites para o desejo da audiência de ver o espírito natalino sufocado por cinismo contemporâneo. Quando executivos do Revolution Studios, de "Um Natal Muito, Muito Louco", conduziram suas pesquisas de mercado, descobriram que as audiências reagiam mal à idéia de desrespeitar o Natal. O estúdio tirou de circulação cartazes que usariam "no-ho-ho" como assinatura por sobre o título. "Achávamos que seria engraçado, não cínico", disse Tom Sherak, sócio do Revolution. "Quando mostramos aos grupos de discussão, as pessoas disseram que não gostavam do no-ho-ho. O Natal continua a ser ho-ho-ho para elas."
E ainda que o mercado comercial norte-americano tenha recebido bem o filme, os críticos o massacraram por sua mensagem de conformismo natalino automático. Muitos deles classificaram o trabalho como "fascista", e um jornalista chegou a defini-lo como a pior manifestação concebível do pensamento atual de Hollywood quanto ao Natal.
Mas isso só coloca o dilema em destaque. Na verdade, filmes natalinos, e em especial comédias, são muito difíceis de produzir. Para que funcionem, não podem ser inocentes demais nem cínicos demais. Para executivos de Hollywood, é como procurar agulha no palheiro. "Não estou procurando comédias natalinas", confessou Toby Emmerich, diretor de produção na New Line Cinema, que desenvolveu "Um Duende em Nova York". "Precisam ser lançadas numa determinada época do ano, e isso reduz nossa flexibilidade. E soube que nem sempre funcionam bem no exterior."
Beth Polson, que escreveu e dirigiu "Secret Santa" para a NBC no ano passado, disse que eles seguem uma fórmula específica, mas que estranhamente é difícil adaptar esse modelo para a tela grande. O Natal "é um momento em que famílias se unem em torno da TV enquanto embrulham presentes, enfeitam a árvore e desejam determinada receita", disse. "Se for esperto, não se afasta dela. É preciso uma criança, um pouco de mistério, inspiração, humor e, para coroar, uma lição a aprender. São os elementos que resultam num filme de sucesso".


Tradução de Paulo Migliacci


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