São Paulo, sexta-feira, 24 de dezembro de 2004

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MÚSICA

Três lançamentos brasileiros prestam homenagem à moda retrô e kitsch do easy listening ou "música de elevador"

Indies nacionais revivem "universo paralelo"

RONALDO EVANGELISTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Existe um universo musical paralelo do qual poucos ouviram falar. É o universo do easy listening, da música instrumental "fácil", onde co-habitam nomes de referências diferentes, mas unidos pela característica de não ser música "para escutar", mas para servir de trilha sonora de jantares, coquetéis, festinhas em casa ou de um leve romance no sofá. Ou, como se tornou popular dizer nos últimos anos, para tocar em churrascarias ou elevadores.
Fazem parte desse universo coisas tão distantes como as orquestras do hoje considerado careta Ray Conniff e do esquisito e esquecido Juan Garcia Esquivel. As trilhas de Ennio Morricone para "faroestes espaguete" e as de Henry Mancini para comédias sofisticadas. A pianista erudita adepta dos sintetizadores moog Wendy Carlos e a dupla pop-futurista Perrey & Kingsley. Os organistas Lafayette, com sua jovem guarda, e Walter Wanderley, com sua bossa nova.
Esse pouco usual tipo de música teve seu auge nos anos 50 e 60, mas sua influência ecoa até os dias de hoje, inclusive no Brasil, onde foram lançados recentemente três discos de jovens artistas independentes inspirados nesse estilo de muitos nomes e subdivisões -já foi chamado de muzak, space age pop e lounge (termo hoje comum para denotar música eletrônica "relax"), entre outros nomes. Basicamente, "música de fundo".
Marcelo Fornasier, da banda Les Johnson, que está lançando o CD "Festinhas na Sua Casa", confirma a intenção. "Eu gosto quando funciona como música de fundo mesmo. Acho legal tocar e ver as pessoas conversando. Às vezes o show agrada e o pessoal até bate palmas, mas a intenção não é essa. A gente quer começar a tocar em lugares para um público mais velho, fazer trilha de baile e tocar canções mais tradicionais, como "Stella by Starlight"."
João Erbetta, guitarrista de bandas como Los Pirata e Nikita Martini Club, com seu recém-lançado solo "Guitar Bizarre - Vol. 1", concorda e fala sobre a pouca familiaridade do estilo: "Apesar de ser música simples, é algo que o pessoal não sabe em que prateleira colocar na loja. É um som que remete a várias coisas, mas que não dá para comparar com nada. É instrumental, mas não é jazz. Os fãs de jazz podem ouvir e gostar, mas sempre vai ter alguém reclamando que não é uma música "séria". O legal é que qualquer um pode ouvir, achar curioso e gostar".
Outro disco saindo do forno é "Petiscos: Sabor Churrasco", do tecladista gaúcho Astronauta Pingüim, que costuma acompanhar músicos como Júpiter Maçã e Wander Wildner. Com seu título auto-explicativo, o CD presta homenagem ao instrumentista de churrascaria por excelência: Lafayette, o timbre por trás da fase jovem guarda do rei Roberto Carlos. Presta ainda homenagem específica a sua série de discos "Lafayette Apresenta os Sucessos", que teve dezenas de volumes com os maiores hits das décadas de 60 a 80. No disco de Pingüim, a proposta é transportada para o Sul e os "sucessos" interpretados são de bandas como Replicantes, Bidê ou Balde e Frank Jorge.
Os três discos, portanto, fazem referência a artistas obscuros, mas geniais, e funcionam como tributos ao semidesconhecido. Entram no liqüidificador dessa easy listening brasileira pós-moderna coisas como jovem guarda, surf music, bossa nova, jazz e country. Em busca de uma linguagem própria e atual, novos artistas descobrem velhos novos gêneros musicais e experimentam com todas as suas possibilidades.
Toda essa movimentação do estilo na época, aliás, teve reflexo no Brasil dos anos 50, nas orquestras de baile de músicos como Sylvio Mazzucca e Simonetti.
A ponta do iceberg desse gênero resvalou no mundo da música pop mundial (ou quase) pela influência de grupos como Stereolab, Air e Beastie Boys, sem falar em inúmeros artistas de música eletrônica. Mesmo assim, continua sendo um som cult e kitsch, mas com suficientes interesses musicais genuínos.
Se era chique tomar um drinque ouvindo um LP descolado na vitrola na época em que o som estereofônico era a última novidade do mundo discográfico, hoje em dia esse universo continua coisa finíssima e uma aula de como ser música de fundo e soar original.


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