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MÚSICA
Três lançamentos brasileiros prestam homenagem à moda retrô e kitsch do easy listening ou "música de elevador"
Indies nacionais revivem "universo paralelo"
RONALDO EVANGELISTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Existe um universo musical paralelo do qual poucos ouviram falar. É o universo do easy listening,
da música instrumental "fácil",
onde co-habitam nomes de referências diferentes, mas unidos pela característica de não ser música
"para escutar", mas para servir de
trilha sonora de jantares, coquetéis, festinhas em casa ou de um
leve romance no sofá. Ou, como
se tornou popular dizer nos últimos anos, para tocar em churrascarias ou elevadores.
Fazem parte desse universo coisas tão distantes como as orquestras do hoje considerado careta
Ray Conniff e do esquisito e esquecido Juan Garcia Esquivel. As
trilhas de Ennio Morricone para
"faroestes espaguete" e as de
Henry Mancini para comédias sofisticadas. A pianista erudita
adepta dos sintetizadores moog
Wendy Carlos e a dupla pop-futurista Perrey & Kingsley. Os organistas Lafayette, com sua jovem
guarda, e Walter Wanderley, com
sua bossa nova.
Esse pouco usual tipo de música
teve seu auge nos anos 50 e 60,
mas sua influência ecoa até os dias
de hoje, inclusive no Brasil, onde
foram lançados recentemente três
discos de jovens artistas independentes inspirados nesse estilo de
muitos nomes e subdivisões -já
foi chamado de muzak, space age
pop e lounge (termo hoje comum
para denotar música eletrônica
"relax"), entre outros nomes. Basicamente, "música de fundo".
Marcelo Fornasier, da banda
Les Johnson, que está lançando o
CD "Festinhas na Sua Casa", confirma a intenção. "Eu gosto quando funciona como música de fundo mesmo. Acho legal tocar e ver
as pessoas conversando. Às vezes
o show agrada e o pessoal até bate
palmas, mas a intenção não é essa.
A gente quer começar a tocar em
lugares para um público mais velho, fazer trilha de baile e tocar
canções mais tradicionais, como
"Stella by Starlight"."
João Erbetta, guitarrista de bandas como Los Pirata e Nikita Martini Club, com seu recém-lançado
solo "Guitar Bizarre - Vol. 1", concorda e fala sobre a pouca familiaridade do estilo: "Apesar de ser
música simples, é algo que o pessoal não sabe em que prateleira
colocar na loja. É um som que remete a várias coisas, mas que não
dá para comparar com nada. É
instrumental, mas não é jazz. Os
fãs de jazz podem ouvir e gostar,
mas sempre vai ter alguém reclamando que não é uma música "séria". O legal é que qualquer um pode ouvir, achar curioso e gostar".
Outro disco saindo do forno é
"Petiscos: Sabor Churrasco", do
tecladista gaúcho Astronauta Pingüim, que costuma acompanhar
músicos como Júpiter Maçã e
Wander Wildner. Com seu título
auto-explicativo, o CD presta homenagem ao instrumentista de
churrascaria por excelência: Lafayette, o timbre por trás da fase jovem guarda do rei Roberto Carlos. Presta ainda homenagem específica a sua série de discos "Lafayette Apresenta os Sucessos",
que teve dezenas de volumes com
os maiores hits das décadas de 60
a 80. No disco de Pingüim, a proposta é transportada para o Sul e
os "sucessos" interpretados são
de bandas como Replicantes, Bidê
ou Balde e Frank Jorge.
Os três discos, portanto, fazem
referência a artistas obscuros,
mas geniais, e funcionam como
tributos ao semidesconhecido.
Entram no liqüidificador dessa
easy listening brasileira pós-moderna coisas como jovem guarda,
surf music, bossa nova, jazz e
country. Em busca de uma linguagem própria e atual, novos artistas descobrem velhos novos gêneros musicais e experimentam
com todas as suas possibilidades.
Toda essa movimentação do estilo na época, aliás, teve reflexo no
Brasil dos anos 50, nas orquestras
de baile de músicos como Sylvio
Mazzucca e Simonetti.
A ponta do iceberg desse gênero
resvalou no mundo da música
pop mundial (ou quase) pela influência de grupos como Stereolab, Air e Beastie Boys, sem falar
em inúmeros artistas de música
eletrônica. Mesmo assim, continua sendo um som cult e kitsch,
mas com suficientes interesses
musicais genuínos.
Se era chique tomar um drinque
ouvindo um LP descolado na vitrola na época em que o som estereofônico era a última novidade
do mundo discográfico, hoje em
dia esse universo continua coisa
finíssima e uma aula de como ser
música de fundo e soar original.
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