CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Em "Crimes em Wonderland" são muitos os transportes. Há uma estrela que existiu de fato na indústria pornô, John Holmes (vivido por Val Kilmer). Potencial criminoso, ele é uma imagem erótica transportada para um universo de barbárie. Estamos em 1981, com muito entorpecimento e promiscuidade. Como será a reconstituição? Obscenidade "naturalista" luxuosa e envenenamento artificial do movimento de câmera e dos tecidos visuais serão as peças. 1981, construído por imagens bem 2004, parece transportado para hoje.
Houve uma chacina, envolvidos têm versões dissonantes. Simulações? Todas têm execução cênica: o filme se transporta entre elas, num procedimento, a princípio, de relativização. Relativização que existe através do interesse (absolvição, honra) que cada um tem em fazer valer sua versão.
Vive-se uma busca pela relativização. Sobretudo nos EUA, que parcialmente acusam constrangimento, por exemplo, pela redução dos islâmicos a uma imagem barbada de vilania cartunesca. É uma nação ilhada pelo rótulo da intolerância e totalização conservadora. E simular relativização, algo conveniente, absolve o filme diante desse clima de mal-estar.
Mas ele, como os personagens, também buscará legitimar um interesse, sua visão, que implica dar forma radical a um painel de tragédia humana e cultural americana. E nada mais conservador e atual politicamente do que o tom austero de James Cox, que adverte que essa Sodoma moderna, uma terra de falsas oportunidades, sofrerá punição bíblica -virá em forma de Aids, aliás. Mais: a defesa dessa visão trágica passa por um mecanismo de doutrinação, que autoriza e desautoriza nosso olhar via montagem hostil.
Reside na constante identificação com o percurso dos personagens a honestidade deste filme contraditório.

Crimes em Wonderland
Wonderland
   
Direção: James Cox
Produção: EUA/Canadá, 2003
Com: Val Kilmer, Lisa Kudrow, Kate Bosworth
Quando: a partir de hoje no Market Place Cinemark; e amanhã no Bristol, Cineclube DirecTV, Jardim Sul e circuito