São Paulo, quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

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Racha de museus

Um ano depois de aprovado no Congresso, órgão do MinC para museus cria embate entre instituições dos grandes centros e de regiões periféricas

Junior Aragão/Divulgação
Museu Nacional do Conjunto Cultural da República, em Brasília

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Falta um ano para o atual governo chegar ao fim e faz também um ano que está de pé o mais ambicioso projeto do Ministério da Cultura para pôr ordem nos museus do país. Mas, aprovado no Congresso em dezembro passado, o Instituto Brasileiro de Museus, órgão vinculado ao MinC, criou um racha entre instituições.
De um lado, os grandes museus, privados e públicos, de São Paulo, Rio e outras capitais temem que a concentração de recursos pelo MinC num Fundo Nacional de Desenvolvimento dos Museus, promessa do Ibram, levará a um apagão de patrocínios para mostras.
De outro, museus menores do Norte e do Nordeste veem nessa concentração do dinheiro num só órgão, e na atenção direta do MinC, um fim à escassez de verbas na região. Livres de brigar por recursos incentivados de empresas que preferem os mais midiáticos Sul e Sudeste, esses museus esperam tirar de vez o pé da lama.
Em suma, o Ibram prevê reunir num único fundo recursos próprios e dinheiro da Lei Rouanet para dividir entre todos os museus do país -uma comissão de especialistas se encarregaria da distribuição.
Também exige que museus se enquadrem no Estatuto de Museus para ter acesso às linhas de crédito. Não deixa clara, no entanto, a situação de instituições públicas geridas como organizações sociais, já que questiona a remuneração de diretores nesse modelo, caso mais típico de São Paulo.
A reforma da Lei Rouanet, agora em discussão no Congresso, é outro agravante. No lugar de permitir, como hoje, uma renúncia fiscal de até 100% do valor destinado pela empresa ao evento cultural, impõe um teto de 80% no incentivo, exigindo um investimento mínimo de 20% de recursos próprios no projeto.
"Tem vários pratos no ar", diz Teixeira Coelho, curador do Masp. "O apagão do dinheiro pode acontecer em 2010, a gente vê uma preocupação no ar."
Mas, se funcionar como querem seus fundadores, o Ibram vai conseguir descentralizar a distribuição de recursos.
O dirigente do Ibram, José do Nascimento Júnior, afirma que todos os municípios do país devem ter um museu, já que todos têm uma história para contar.
"Fico tentando sobreviver com as estruturas que a gente tem, que são muito frágeis", diz Solange Farkas, diretora do Museu de Arte Moderna da Bahia, em Salvador. "Estamos nas trevas, então o Ibram aparece como chance de avançar."
"Pode até ser uma atitude centralizadora, autoritária, mas eu vejo que isso vai trazer benefícios", diz José Guedes, diretor do centro de cultura Dragão do Mar, em Fortaleza.
"Existem as distorções, de umas regiões serem privilegiadas e outras não", diz Nina Matos, diretora da Casa das Onze Janelas, em Belém. "As instituições do Norte e do Nordeste têm um trabalho sério e elas precisam de verbas também."
Mas dirigentes de museus nos grandes centros veem nesse sonho descentralizador uma política oportunista, às vésperas das próximas eleições, e duvidam que as promessas do Ibram resistam à transição de governos no ano que vem.
"Não é por decreto que você leva acontecimentos culturais a todos os Estados", opina Maristela Requião, diretora do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. "A gente sabe que um negócio que querem distribuir no Brasil inteiro tem uso eleitoreiro à beça", diz Carlos Alberto Chateaubriand, presidente do Museu de Arte Moderna do Rio. "Tenho esse receio."
Também é criticada a falta de agilidade de uma estrutura inchada como a do Ibram, que criou 452 cargos públicos para funcionar. Enquanto Chateaubriand teme o excesso "estatizante", Daniela Bousso, diretora do Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, vê "aumentar a burocracia" e uma "institucionalização da preguiça".
"Em vez de ter um país que empurra o investimento, ele empurra para o paternalismo", diz Bousso. "É uma coisa que anda para trás o tempo inteiro."
Nesse ponto, aliás, persiste o impasse entre MinC e a Secretaria de Estado da Cultura em São Paulo. O governo paulista questiona na Justiça a proibição do Ibram à remuneração para diretores de museus geridos por organizações sociais, como o MIS-SP, de Bousso.
Farkas, do MAM-Bahia, apesar de reconhecer possíveis benefícios, critica essa "estrutura paquidérmica do Estado".


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