São Paulo, sexta-feira, 25 de janeiro de 2002

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CINEMA

PERFIL

Com três longas realizados, Beto Brant diz que os filmes devem "provocar discussão" e conta como deixou o teatro

"Quero desorganizar a vida dos outros"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Beto Brant levava o teatro muito a sério, mas tinha pressa. "Grupo é muito complicado. Tem sempre um que quer mais. Outro está com um problema e chora no meio do ensaio, porque mexe com as emoções. Alguém falta porque conheceu uma namorada. Enfim, era meio caótica a coisa, e eu, muito a fim do barato."
Assim, 18 anos atrás, a escola Proscênio, no Bexiga, perdeu um aluno, sem que isso subtraísse ao mundo um grande ator, na avaliação do próprio desistente.
No último sábado, a parcela do globo que voltou os olhos para o festival de cinema de Sundance, nos EUA, deu-se com a notícia de que leva a assinatura de Beto Brant o melhor filme latino-americano da edição, "O Invasor".
Trata-se do terceiro longa na carreira do cineasta, iniciada em 87 com o curta "Aurora", trabalho de conclusão do curso de comunicação social na Faap.
""O Invasor" é um filme de baixo orçamento (R$ 1 milhão), feito em seis semanas, sem perder um dia de filmagem." Beto Brant continua com pressa e vê no cinema uma espécie de urgência.
"O legal do cinema é poder ir a outro lugar sob a visão de alguém que vive lá, não de alguém que passa por lá. Tenho esse compromisso -oferecer a quem vê um filme meu um olhar sobre o lugar em que eu, como realizador, estou vivendo. Seria difícil eu fazer um filme de época."
Por sua tradução na tela, o lugar em que Beto Brant está vivendo é uma São Paulo violenta, agressiva, com "uma juventude classe média que se acha muito esperta, mas é trouxa" e uma população de periferia farta da exclusão.
Desenhar esse retrato doeu. "Deixei o roteiro [de "O Invasor]" de lado um tempo. Achei que fazer esse filme ia me deprimir. Deprimiu mesmo. Um pouco."

Discussão
Uma vez feito, que seja visto e dê o que falar é o que espera o cineasta. "Fazer um filme é tão demorado, depende de tanta energia de um monte de gente, que precisa provocar discussão. As pessoas têm que sair do cinema falando. O cineasta é o cara que quer desorganizar a vida dos outros para tentar achar meios melhores."
Quando filma, Brant evita adotar influências. "Nunca me preocupei em fazer filmes dentro de um contexto de outros filmes que já existem ou em buscar imagens em filmes que vi. Procuro resolver o roteiro, construir junto com os atores os personagens e, com o fotógrafo, a imagem. Faço isso justamente para não ter esse perigo. Tudo tem que depender do nosso pensamento sobre como resolver a cena, sem influências."
Há quem veja nessa produção que nega o diálogo com a história do cinema a opção por uma estética publicitária. "Engraçado que quando eu faço publicidade os caras acham que eu tenho estética de cinema." A direção de comerciais é atividade profissional para Beto Brant desde o início dos 90.
Discutir o próprio cinema não é dos melhores convites que se possa fazer a Brant. "Está tudo nos meus filmes, meu posicionamento está lá. O legal do cinema é a possibilidade de contar uma história. Admiro quem tem a manha de fazer isso verbalmente, criar personagens e vozes, descrever os lugares. Não sou muito bom de contar, sou atento para ouvir."
A imagem pelo verbo é escolha de quem só a custo lida com a timidez? "Na adolescência eu era muito, muito tímido." Aos 37, Brant encontra prazer e diversão em "ir com a cara contra o vento", mas resiste ao que o faça se sentir exposto. Entrevistas, sobretudo.
Por isso, os "dados pessoais" pingam em gotas contadas. Há dez anos, ele e a psicóloga Stela reuniram os amigos numa festa em que se comemorou o fato de que ambos teriam o mesmo endereço.
A casa em que moram (ele detesta altura, dispensou um corretor na porta de um apartamento que ficava no 18º andar) é também de Matheus, 7, e Joana, 4.



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