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CINEMA
PERFIL
Com três longas realizados, Beto Brant diz que os filmes devem "provocar discussão" e conta como deixou o teatro
"Quero desorganizar a vida dos outros"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Beto Brant levava o teatro muito
a sério, mas tinha pressa. "Grupo
é muito complicado. Tem sempre
um que quer mais. Outro está
com um problema e chora no
meio do ensaio, porque mexe
com as emoções. Alguém falta
porque conheceu uma namorada.
Enfim, era meio caótica a coisa, e
eu, muito a fim do barato."
Assim, 18 anos atrás, a escola
Proscênio, no Bexiga, perdeu um
aluno, sem que isso subtraísse ao
mundo um grande ator, na avaliação do próprio desistente.
No último sábado, a parcela do
globo que voltou os olhos para o
festival de cinema de Sundance,
nos EUA, deu-se com a notícia de
que leva a assinatura de Beto
Brant o melhor filme latino-americano da edição, "O Invasor".
Trata-se do terceiro longa na
carreira do cineasta, iniciada em
87 com o curta "Aurora", trabalho de conclusão do curso de comunicação social na Faap.
""O Invasor" é um filme de baixo
orçamento (R$ 1 milhão), feito
em seis semanas, sem perder um
dia de filmagem." Beto Brant continua com pressa e vê no cinema
uma espécie de urgência.
"O legal do cinema é poder ir a
outro lugar sob a visão de alguém
que vive lá, não de alguém que
passa por lá. Tenho esse compromisso -oferecer a quem vê um
filme meu um olhar sobre o lugar
em que eu, como realizador, estou
vivendo. Seria difícil eu fazer um
filme de época."
Por sua tradução na tela, o lugar
em que Beto Brant está vivendo é
uma São Paulo violenta, agressiva, com "uma juventude classe
média que se acha muito esperta,
mas é trouxa" e uma população
de periferia farta da exclusão.
Desenhar esse retrato doeu.
"Deixei o roteiro [de "O Invasor]"
de lado um tempo. Achei que fazer esse filme ia me deprimir. Deprimiu mesmo. Um pouco."
Discussão
Uma vez feito, que seja visto e dê
o que falar é o que espera o cineasta. "Fazer um filme é tão demorado, depende de tanta energia de
um monte de gente, que precisa
provocar discussão. As pessoas
têm que sair do cinema falando. O
cineasta é o cara que quer desorganizar a vida dos outros para
tentar achar meios melhores."
Quando filma, Brant evita adotar influências. "Nunca me preocupei em fazer filmes dentro de
um contexto de outros filmes que
já existem ou em buscar imagens
em filmes que vi. Procuro resolver
o roteiro, construir junto com os
atores os personagens e, com o fotógrafo, a imagem. Faço isso justamente para não ter esse perigo.
Tudo tem que depender do nosso
pensamento sobre como resolver
a cena, sem influências."
Há quem veja nessa produção
que nega o diálogo com a história
do cinema a opção por uma estética publicitária. "Engraçado que
quando eu faço publicidade os caras acham que eu tenho estética
de cinema." A direção de comerciais é atividade profissional para
Beto Brant desde o início dos 90.
Discutir o próprio cinema não é
dos melhores convites que se possa fazer a Brant. "Está tudo nos
meus filmes, meu posicionamento está lá. O legal do cinema é a
possibilidade de contar uma história. Admiro quem tem a manha
de fazer isso verbalmente, criar
personagens e vozes, descrever os
lugares. Não sou muito bom de
contar, sou atento para ouvir."
A imagem pelo verbo é escolha
de quem só a custo lida com a timidez? "Na adolescência eu era
muito, muito tímido." Aos 37,
Brant encontra prazer e diversão
em "ir com a cara contra o vento",
mas resiste ao que o faça se sentir
exposto. Entrevistas, sobretudo.
Por isso, os "dados pessoais"
pingam em gotas contadas. Há
dez anos, ele e a psicóloga Stela
reuniram os amigos numa festa
em que se comemorou o fato de
que ambos teriam o mesmo endereço.
A casa em que moram (ele detesta altura, dispensou um corretor na porta de um apartamento
que ficava no 18º andar) é também de Matheus, 7, e Joana, 4.
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