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CARLOS HEITOR CONY
Pavana para os inícios dos anos 60
O Brasil era mais feliz, embora mal informado: não
sabia o que vinha pela frente. Naquele final de governo JK, com a
inauguração de Brasília dopando
o brasileiro de confiança, tudo
parecia dar certo, menos a UDN.
Aliás, nada podia dar certo para
o partido mais reacionário da
história pátria. Apostaram que
Brasília não seria feita, e a cidade
não apenas fora feita mas estava
metendo um baita orgulho na alma do povo.
Já havia povo naquele tempo!
Povo que o Carnaval de 1960 encarnou na marchinha que se tornou campeã nas ruas e nos salões:
"Ei, você aí, me dá um dinheiro
aí, me dá um dinheiro aí!".
Era uma premonição. O povo
continuou pedindo dinheiro até
que o FMI tornou tudo mais difícil e menos alegre. Por falar em
Carnaval, estourou um sucesso
que falava do velho tema: ""Eu
não quero mais amar/ pra não sofrer/ ingratidão/ depois do que eu
passei,/ fechei a porta do meu coração". A voz tristonha de Jamelão levou o sucesso para o chamado "meio ano" e a música foi ficando. Outras acabaram, como o
"Bububu no bobobó", título cabalístico de uma revista na praça
Tiradentes que ameaçou sucesso,
mas não deu para saída. Todo
mundo entendeu que havia alguma sacanagem no título, mas
nem a censura nem a plebe sacaram o que era um bububu, embora o bobobó fosse manjado: coisas.
Juscelino metia o pé na tábua e
fazia obras. Um deputado alagoano fez um discurso provando
que JK era o grande sedutor, o
grande tentador, o Grande Satã
-em encarnação diamantinense
e pré-fundamentalista. Outra vez:
coisas.
Ivone de Carlo esteve no Rio
com tudo a que tinha direito, inclusive de dar algumas voltas com
Jorginho Guinle e com o finado
Harry Stone. O fotógrafo Gervásio Baptista atestou: - ""Foi a
mulher mais bonita que já fotografei" -confessou Gervásio,
sem saber que um dia fotografaria Roberta Close.
No cenário internacional, a figura mais discutida era a de Nikita Kruchev, tipo bonachão, parecido com o papa reinante, João
23, um ""contadino" que mudaria
a história do século. Aliás, os dois
não eram parecidos apenas no físico: ambos promoveram mudanças nos chamados contextos internos: Kruchev denunciou os crimes de Stálin, e o papa Roncalli
convocou o Concílio Vaticano 2º.
Depois deles, o mundo não seria o
mesmo.
Nos Estados Unidos, o general
Eisenhower havia sido herói na
guerra, mas exibia um rosto patibular, enquanto que outro general, o De Gaulle, pensava ser a encarnação de Joana D"Arc e compunha um visual cheio de ""grandeur" -a França também estava
mal informada, havia a Argélia e
os filmes de Brigitte Bardot.
Bem, surgiram os carros nacionais, o brasileiro não se habituou
ao nome complicado que Hitler
dera ao carro do povo (Volkswagen) e aí surgiu o Fusca, dando
oportunidade à classe média de ir
ao paraíso motorizada.
Ah, o calor das noites dos anos
60! A boate Arpege atraía o mulherio esfomeado de emoções; ouvir Valdir Calmon tocando ""Silvando el Mambo" era uma receita de orgasmo ou de dor-de-corno
-aliás, havia muito corno na
época, pois muito se amava naqueles idos.
Pablo Neruda aqui chegou ciceroneado pelo vate Thiago Amadeu de Mello. Neruda era então o
poeta mais importante do mundo, sua ""Canción Desesperada"
excitava as meninas que faziam
curso de letras nas faculdades da
vida. Ninguém tinha o direito de
amar ou de ser amado se não soubesse pelo menos o verso letal: ""Es
tan corto el amor y tan largo el olvido" (com uma dose de cuba libre, a transa era fatal).
A revista ""Manchete" estampava em capa a jovem rainha Elisabeth trazendo ao colo um de seus
filhos. Tal como o povo, também
a família real inglesa já existia
naquele tempo. Mas nem só de
cornos e reis vivia o mundo.
Baby Pignatari, nosso playboy
mais bem-sucedido além-fronteiras, tinha um caso complicadíssimo (todos os seus casos eram
complicados) com uma princesa
de duvidoso pedigree, Ira de Fürstemberg. Depois de passar pelo
Baby, ela caiu tanto que terminou fazendo ponta em novela de
TV.
E havia a fulminante ascensão
de Jânio da Silva Quadros, que já
fora prefeito da capital e era governador de São Paulo. Seria eleito sucessor de Juscelino -e aí começariam as nossas desgraças.
Mas naquele tempo todo mundo
se divertia e achava que o Brasil
era o maior, o filme "Ben-Hur"
ganhava o Oscar. E graças à corrida de bigas, Ben-Hur tornou-se
padroeiro dos motoristas de táxi
em Roma.
Para contrabalançar tamanha
euforia, depois do secular flagelo
da seca, uma inundação monstro
fazia o wagneriano governador
do Ceará, Parsifal Barroso, declarar entre lágrimas: ""Foi pior do
que o dilúvio da Bíblia".
Biblicamente mais pobre, o nordestino emigrava em massa para
o eldorado que JK construíra no
Planalto Central, mas aqui no
Rio o pessoal cantava o sambinha
do arquiteto Billy Blanco: ""Não
vou não vou para Brasília, nem
eu nem minha família..."
Recusando os salários em dobro
que o governo prometia pagar aos
pioneiros, o sambinha declarava
que o melhor era ficar pobre sem
deixar Copacabana. A má informação era geral.
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