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LITERATURA/LANÇAMENTO
O CÂNONE JUVENIL
Crítico classifica de "situação desesperante" o fato de personagem ser o mais popular entre os jovens hoje
Livro é reação a Harry Potter, diz Bloom
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Leia abaixo os principais trechos da entrevista com o ensaísta
Harold Bloom.
(RODRIGO MOURA)
Folha - Como era o sr. como um
jovem leitor?
Harold Bloom - Eu era sedento,
como um jovem leitor. Eu passava todo o meu tempo lendo quando era ainda muito criança. Foi
um tipo de intoxicação.
Folha - Como foi o método de pesquisa para esta antologia? Há muitas diferenças entre antologias para adultos e esta?
Bloom - Não. Eu, deliberadamente, mr. Moura, quis quebrar
essas diferenças, como disse na
introdução. Cada vez mais acredito que aquilo que o século 19 chamou de literatura infantil é algo
muito desprezível no fim do século 20 e no início do 21, na era do
Harry Potter. Minha intenção,
com essa antologia, era reunir
contos e poemas que se ajustassem ao título, para crianças extremamente inteligentes de todas as
idades, incluindo eu mesmo como uma criança de 72.
Folha - E há muitas escolhas afetivas e pessoais entre as obras selecionadas...
Bloom - Mas, você sabe, estive
pensando nisso outro dia. Acho
que esta é uma antologia de que
[Jorge Luis" Borges teria gostado
bastante. Há dois de seus autores
favoritos, G.K. Chesterton e Robert Louis Stevenson. Ele conhecia a língua inglesa, poesia e romance, muito bem de fato. Ele leu
Cervantes, "Dom Quixote", em
inglês antes de ler em espanhol.
Sua mãe era inglesa e eles conversavam em inglês durante sua infância. Então, acho que, como
uma antologia borgeana, essa é
cheia de boas histórias e de fantasia, embora não tenha tentado ser
especificamente borgeano.
Folha - Todos os autores são europeus ou norte-americanos...
Bloom - Isso acontece apenas
porque eu estava lidando com um
contexto cronológico no qual eu
me coloquei como leitor. Eu deliberadamente não incluí nada escrito após a Primeira Guerra
Mundial, pois acho que a sensibilidade ocidental se transformou
radicalmente na Primeira Guerra.
Isso mudou a consciência das
pessoas. Aquele tom elevado das
fantasias imaginativas que marcou as narrativas do século 19 e
mesmo as do período eduardiano
[referente ao reinado de Edward
2º (1901-1910), rei da Inglaterra"
desapareceu para sempre. Se o livro incluísse a literatura feita até
hoje, teria uma série de ótimos
autores latino-americanos. Meu
livro mais recente, "Gênio", que
ainda não saiu no Brasil, é cheio
de literatura em português e inclui, é claro, o grande Machado de
Assis.
Folha - O sr. é leitor da produção
literária voltada para o mercado jovem? O sr. mencionou Harry Potter:
alguma vez já o leu?
Bloom - Há alguns anos eu nunca havia nem sequer ouvido falar
em Harry Potter. Até que li algo
no "Wall Street Journal" sobre o
fenômeno Harry Potter, o que
soou algo alarmante para mim.
Fui a uma livraria, isso há três ou
quatro anos, e comprei um exemplar "paperback" (edições mais
baratas) do primeiro livro da série
e o li. E fiquei chocado e alarmado. Era uma das obras mais mal
escritas que eu lera em anos! Fiquei horrorizado que aquele fosse
o livro mais popular entre os jovens do mundo todo. Hoje isso
continua. Mas estou convencido
de que esse fenômeno seja efêmero, esses livros vão acabar em
poeira. Não sei se você já os leu,
mas são muito ruins!
Então acabei fazendo essa antologia e, só depois que recebi o primeiro exemplar e li a introdução e
o índice, compreendi que era minha reação a todo esse fenômeno.
Mas não há nenhum propósito
pragmático nisto. Mesmo que esse livro seja um sucesso no mercado norte-americano e tenha vendido 70 mil cópias, "Harry Potter"
vendeu 3 milhões de exemplares.
É uma situação absolutamente
desesperante. Acho que as crianças deveriam ler Lewis Carroll,
Edward Lear, mas elas não estão
lendo "Alice no País nas Maravilhas". Acredito que no Brasil seja
igual, que vocês tenham fantásticos autores que não são mais lidos
pois as crianças só querem ler
Harry Potter.
Folha - E há toda uma estratégia
mercadológica por trás, com personagens invadindo o mundo do consumo de outros bens, filmes etc.
Bloom - Bem, o que podemos dizer? Pensei outro dia que isso já
aconteceu antes, não é nenhuma
novidade. Sempre houve, na história da literatura ocidental, livros
que são muito populares, entre
adultos e crianças, mas 30 ou 40
anos depois ninguém se lembra
quais são... Viram pó. Eu não estarei por aqui em 30 anos para
ver, mas Harry Potter já terá desaparecido. E Shakespeare e Carroll
ainda estarão por aqui.
CONTOS E POEMAS PARA CRIANÇAS EXTREMAMENTE INTELIGENTES DE TODAS AS IDADES. Organizador: Harold Bloom. Editora: Objetiva. Preço:
R$ 21,90 (144 págs.).
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