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"O CORSÁRIO"
Autor comandou invasão francesa ao país
Tradução compromete obra de Duguay-Trouin
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
O nome do livro foi modificado; o nome do autor
não aparece por inteiro na capa; o primeiro parágrafo não
foi traduzido; há erros de tradução de vários calibres; faltam notas explicativas; e a introdução é um texto chinfrim
com poucos dados úteis.
É pena, pois trata-se de uma
obra que ficou mais de 250
anos sem ser traduzida completa para o português -as
clássicas "Memórias" do corsário francês René Duguay-Trouin (1673-1736), que comandou a esquadra que tomou o Rio de Janeiro em 1711.
O nome do autor é grafado
na capa apenas como Du
Guay-Trouin. Além de não ser
o nome completo, revela uma
grafia alternativa que ele próprio não usava. Como lembrou o historiador inglês
Charles Ralph Boxer (1904-2000), autor da ainda hoje melhor descrição do saque do
Rio, o corsário assinava "Duguay-Trouin". O título desta
edição brasileira -"O Corsário - Uma Invasão Francesa no
Rio de Janeiro - Diário de Bordo"- é enganoso. As "Memórias" não se limitam ao episódio da tomada do Rio, nem são
"diário de bordo".
Há episódios divertidos, como uma rocambolesca escapada de prisão. Os combates navais das duas guerras em que
ele se envolveu antes de atacar
o Rio são leitura fascinante.
Um pequeno trecho relativo
à tomada do Rio foi editado recentemente por Jean Marcel
Carvalho França em "Outras
Visões do Rio de Janeiro Colonial" (ed. José Olympio, 2000).
Quem quiser se informar sobre a história da publicação
das "Memórias" e do ataque
ao Rio deve procurar esse livro
bem melhor editado.
É preciso reconhecer que é
uma tradução difícil, nem tanto pelo francês do século 18,
mas pela quantidade de termos náuticos da navegação a
vela. Há um erro logo no quadro mostrando as partes de
um navio (páginas 28 e 29). O
"mât de misaine" francês não é
o mastro da mezena em português ("mizzen mast" em inglês), apesar de a palavra parecer a mesma; trata-se do mastro do traquete. O mastro da
mezena é o "mât d'artimon".
Em dado momento, o tradutor verte "traversiers" por "navios costeiros" (página 140);
logo depois (página 143) mantém a palavra em francês.
"Traversier" era um pequeno
navio equipado com morteiros que disparavam granadas
em trajetórias parabólicas. Poderia ser traduzido por "bombardeira". E a melhor tradução
para "vaisseau" não é a literal
"vaso de guerra", mas "nau".
No episódio da fuga da prisão, o corsário foi ajudado por
uma bela mercadora francesa
que morava em Plymouth, Inglaterra, cujo nome ele omite.
Em uma nota de rodapé na
excelente edição francesa publicada em 91 pela Éditions
France-Empire, o editor Philippe Clouet informa que a
moça se chamava Hélène des
Rantours, era filha de protestantes fugidos da perseguição
religiosa na França e que tomava conta de uma loja de
rendas junto com a mãe. Duguay-Trouin a chama de "fort
jolie marchande", negociante
muito bela.
Que fez o imaginativo tradutor brasileiro? Traduziu "marchande" por "meretriz" e por
"prostituta", obviamente
achando que era outro tipo de
mercadoria que a bela rendeira Hélène vendia.
Duguay-Trouin, como todo
vencedor, procura exagerar a
força do inimigo para com isso
ressaltar o seu próprio feito.
Ele contou canhões demais
nos fortes que defendiam o
Rio. Por exemplo, o Forte de
São Tiago teria 12 canhões, e o
Forte da Misericórdia, mais 18.
Na verdade, os dois fortes
eram um só -Forte de São
Tiago da Misericórdia ou do
Calabouço-, que tinha apenas um canhão em 1711, segundo o Barão do Rio Branco.
Explicações como essa teriam
sido úteis ao leitor brasileiro,
mas esta péssima edição é virgem delas.
O CORSÁRIO
Autor: Du Guay-Trouin
Tradução: Carlos Ancedê Nougué
Editora: Bom Texto
Quanto: R$ 30 (196 págs.)
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