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NINA HORTA
Um tinto encorpado para ler
O guia do Manoel Beato é primoroso porque não te ensina mais do que você agüenta saber
MARIA VIU a uva. Viu a uva.
Quem foi mesmo que viu a
viúva? Eva? Ivo?
Vamos ao dicionário do Houaiss.
Além da viúva clássica, aquela que
tem o marido morto e que não se casou de novo, está lá a outra, a viúva
má, déspota, aquela que nunca mais
se casará por praga dos editores e escritores, a destruidora e fundadora
de estilos. Mora em artes gráficas e
quer dizer "linha quebrada". E o que
quer dizer "linha quebrada"? É que
uma linha não pode acabar nunca,
antes que acabe o espaço reservado
para ela. Se alguém escrever de menos, dá viúva. Demais, também pode
dar... É tirânica, chata.
E quem fala em viúva, fala em uva.
Tenho nas mãos o "Guia de Vinhos
Larousse", de Manoel Beato, o sommelier do Fasano que, às vezes, duvida da minha ignorância. Ela (a ignorância) estacionou, continuo bebendo porque gosto, mas a quantidade das espécies de uvas, de terroirs e de classificações me derrota.
Leio com atenção os nossos críticos,
aprecio livros sobre vinhos, presto
atenção nas notas do Parker, nos
vôos do Rolland, nas pechinchas da
Jancis Robinson. Mas, se estou com
os vinhos indicados por eles, não os
acho nas lojas, e se acho algum vinho
na loja é que esqueci a lista.
Não pensem que é gênero, já tentei estudar seriamente, aprender a
reconhecer o que bebia. Pela internet. O meu amigo Horta escolheu
uns vinhos na Mistral, espanhóis.
Ele de um lado com duas garrafas, eu
do outro. Levei broncas homéricas
por adjetivos mal usados, como gosto de "fundo de gaveta" e "armário",
para carvalho envelhecido, falhei
nas groselhas e framboesas (sempre
que leio que um vinho sabe a madeira e framboesas fico pensando na
mistura esdrúxula), mas confesso
que as aulas valeram bastante. Pelo
menos me tornei fã dos espanhóis,
cada um melhor que o outro. Se tivesse continuado o curso, já seria
"master of wines".
Mas voltemos ao guia do Manoel
Beato. Primoroso porque não te ensina mais do que você agüenta saber.
O excesso de informação é que confunde os principiantes. E foi a intenção do Beato, pois cita logo de início
Décio Pignatari. "O assunto que hoje
abordo é dos que mais me atiçam o
sangue das idéias. Por isso mesmo
quero evitar a tentação e a tentativa
de dizer tudo de uma só vez."
O Beato conseguiu o máximo da
concisão agradável e bem-escrita.
Descreveu os tipos de vinho que
existem, explicou o que são origens,
produtor e uvas, como pode ser o
processo de vinificação, o que quer
dizer a idade e, "last, but not least", o
preço. Já vimos tudo isso antes, mas
não assim, bem explicado, claríssimo, sem desperdício de adjetivos.
Aprendemos a ler um rótulo, como comprar, como conservar e servir um vinho e ainda estamos na página 30, já harmonizando vinhos e
comidas. Acho esta parte estimulante porque, quer saber? Vale tudo.
Sempre achei que essa escolha vai
muito do estado de espírito de cada
um, do lugar e da hora. Uma galinha
de cabidela, escura, densa, aveludada, pode pedir um vinho de luto, como a própria, quase roxo, as lágrimas escorrendo pelo copo. Mas por
que não uma coisa clara, fresca,
cheia de bolinhas (sei falar pétillant,
mas não me atrevo), que justamente
enterrasse em sadia alegria o humor
trágico do prato?
Pois daí até a página 43 temos regras de harmonização prontas a serem obedecidas ou desobedecidas.
E a quarta parte é bastante interessante, pois começa pelo Novo
Mundo, e o Novo Mundo é sempre o
último a ser abordado. Cada país
com sua lista de vinhos com nota e
tudo. No fim um glossário de termos. Você sabe o que é "trasfegas"?
Não? Tão fácil....
Gostei, aprendi tudo de novo, agora parece que me agüento sábia por
uns meses. Tento, então, classificar
o guia do Beato como ele classifica os
vinhos. É um tinto, encorpado, vivaz, moderno, para ler agora ou depois, R$ 29, 222 páginas.
ninahorta@uol.com.br
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