São Paulo, segunda, 25 de janeiro de 1999

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Uma semana para saltar no escuro

FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha

Para compreender o que se passou esta semana, só mesmo deixando a cabeça flutuar, ou então adotar um regime de bandas bem largas. Confesso que, premido a trabalhar para dar uma resposta mecânica ao mercado, senti-me um pouco como um gerente de banco ou funcionário de casa câmbio.
Isso não quer dizer que o mercado não seja importante referência. Mas não é a única. Daqui a pouco, podem querer que se tirem as cadeiras do Congresso e se gritem os pregões da Bolsa. Seria um empobrecimento no processo de comunicação, por meio do qual organizamos nossas diferenças e concordâncias.
Está um pouco sociológico. Vamos alargar esta banda. Passei a manhã ouvindo secretários de finanças. Os Estados estão falidos. Muitos dizem: que paguem e enxuguem. O buraco é um pouco mais embaixo. A âncora cambial foi mantida também à custa de uma centralização de recursos, do Piauí ao Rio Grande, todos perderam um pouco para o poder central. E, com a alta de juros, suas contas podem ir para o espaço.
A idéia é que, taxando os aposentados, tiramos a economia brasileira, e o próprio sistema financeiro internacional, do sufoco. Mas, se o sistema precisa dos aposentados do Brasil, há alguma coisa errada com ele. Blair foi à tevê falar sobre isso. Os alemães propuseram um alarme para a crise. O Brasil perdeu uma chance de pedir uma reforma do próprio sistema.
Vamos adiante, para nova banda. Se você é dirigido pelo mercado, que sentido tem a opção política? O mercado muitas vezes se comporta como manada. São pessoas que ganham dinheiro com dinheiro e tendem a deixar escapar vários aspectos da realidade. Se soubessem, de fato, que os políticos se deixariam guiar pelo mercado, talvez até se sentissem inseguras. Alguém precisa trabalhar com variáveis mais complexas.
A semana foi construída para dar um sinal de ânimo. A escolha do tema não foi a melhor. Outros aspectos do ajuste poderiam ser quase consensuais, e aí ganharíamos fôlego para buscar novos caminhos.
Quando uma forma de comunicação triunfa sobre a outra, a Bolsa de Valores substitui o Parlamento, há certa ambivalência na vitória. O presidente apareceu com uma gravata azul para agradecer aos aliados. A cor foi escolhida a dedo. O azul transmitia o radiante futuro. Mas a gravata atravessou no casaco, como se não quisesse se comprometer com a mensagem.
O FMI vem para Brasília. Na adolescência era um monstro perigoso. Hoje o FMI é apenas um órgão que falhou nas cinco últimas vezes em que atuou (Jeffrey Sachs). Não é mais a solução e sim uma parte do problema.
Talvez nunca tenha sido tão complicado, neste pós-ditadura. Quem poderia imaginar que, no auge da crise, o presidente e o governador do segundo Estado do país ficariam de mal. Em política é raro ficar de mal, quanto mais no momento em que você está no olho do furacão global.
Vamos entrar numa área de turbulência, mas acho que, a médio prazo, dá para sair. Quem sabe um dia poderemos até achar um exagero nossa preocupação? Agora, no entanto, é ficar de olho na onda. É uma embaraçosa singularidade da política: fica-se mais pobre, mas aumenta a chance de se tornar útil.
Não imaginava todos esses desdobramentos. A âncora cambial serviu para limitar nosso horizonte. É hora de deixar as cabeças flutuarem, livremente. A onda vem aí, é preciso não se deixar encaixotar nem no modelo insustentável que está aí nem na nostalgia dos anos 50 que, às vezes, se apresenta como alternativa.



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