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Uma semana para saltar no escuro
FERNANDO GABEIRA
Colunista da Folha
Para compreender o que se
passou esta semana, só mesmo
deixando a cabeça flutuar, ou
então adotar um regime de
bandas bem largas. Confesso
que, premido a trabalhar para
dar uma resposta mecânica ao
mercado, senti-me um pouco
como um gerente de banco ou
funcionário de casa câmbio.
Isso não quer dizer que o mercado não seja importante referência. Mas não é a única. Daqui a pouco, podem querer que
se tirem as cadeiras do Congresso e se gritem os pregões da
Bolsa. Seria um empobrecimento no processo de comunicação, por meio do qual organizamos nossas diferenças e
concordâncias.
Está um pouco sociológico.
Vamos alargar esta banda.
Passei a manhã ouvindo secretários de finanças. Os Estados
estão falidos. Muitos dizem:
que paguem e enxuguem. O buraco é um pouco mais embaixo.
A âncora cambial foi mantida
também à custa de uma centralização de recursos, do Piauí
ao Rio Grande, todos perderam
um pouco para o poder central.
E, com a alta de juros, suas contas podem ir para o espaço.
A idéia é que, taxando os
aposentados, tiramos a economia brasileira, e o próprio sistema financeiro internacional,
do sufoco. Mas, se o sistema
precisa dos aposentados do
Brasil, há alguma coisa errada
com ele. Blair foi à tevê falar
sobre isso. Os alemães propuseram um alarme para a crise. O
Brasil perdeu uma chance de
pedir uma reforma do próprio
sistema.
Vamos adiante, para nova
banda. Se você é dirigido pelo
mercado, que sentido tem a opção política? O mercado muitas
vezes se comporta como manada. São pessoas que ganham
dinheiro com dinheiro e tendem a deixar escapar vários aspectos da realidade. Se soubessem, de fato, que os políticos se
deixariam guiar pelo mercado,
talvez até se sentissem inseguras. Alguém precisa trabalhar
com variáveis mais complexas.
A semana foi construída para
dar um sinal de ânimo. A escolha do tema não foi a melhor.
Outros aspectos do ajuste poderiam ser quase consensuais, e
aí ganharíamos fôlego para
buscar novos caminhos.
Quando uma forma de comunicação triunfa sobre a outra, a
Bolsa de Valores substitui o
Parlamento, há certa ambivalência na vitória. O presidente
apareceu com uma gravata
azul para agradecer aos aliados. A cor foi escolhida a dedo.
O azul transmitia o radiante
futuro. Mas a gravata atravessou no casaco, como se não quisesse se comprometer com a
mensagem.
O FMI vem para Brasília. Na
adolescência era um monstro
perigoso. Hoje o FMI é apenas
um órgão que falhou nas cinco
últimas vezes em que atuou
(Jeffrey Sachs). Não é mais a
solução e sim uma parte do
problema.
Talvez nunca tenha sido tão
complicado, neste pós-ditadura. Quem poderia imaginar
que, no auge da crise, o presidente e o governador do segundo Estado do país ficariam de
mal. Em política é raro ficar de
mal, quanto mais no momento
em que você está no olho do furacão global.
Vamos entrar numa área de
turbulência, mas acho que, a
médio prazo, dá para sair.
Quem sabe um dia poderemos
até achar um exagero nossa
preocupação? Agora, no entanto, é ficar de olho na onda. É
uma embaraçosa singularidade da política: fica-se mais pobre, mas aumenta a chance de
se tornar útil.
Não imaginava todos esses
desdobramentos. A âncora
cambial serviu para limitar
nosso horizonte. É hora de deixar as cabeças flutuarem, livremente. A onda vem aí, é preciso
não se deixar encaixotar nem
no modelo insustentável que
está aí nem na nostalgia dos
anos 50 que, às vezes, se apresenta como alternativa.
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