São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

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CINEMA

"El Nuremberg Argentino" narra julgamento de nove membros da junta militar que governou país durante ditadura

Documentário toca em ferida argentina

CAROLINA VILA-NOVA
DE BUENOS AIRES

Argentina, 1985. A Justiça do país, impulsionada por decreto do presidente Raúl Alfonsín (1983-89), abre julgamento contra nove membros das juntas militares que governaram o país na última ditadura (1976-83), pela campanha de prisões ilegais, torturas e assassinatos feita pelo regime.
Durante os nove meses em que se realizou o julgamento, no entanto, apenas fragmentos de imagens do recinto - sem áudio - puderam ser televisionados.
Nunca os argentinos tiveram acesso ao relato integral da defesa dos chefes militares ou dos testemunhos das vítimas de ex-repressores, no primeiro julgamento de ditadores militares impulsionado por um governo civil na região.
Agora, parte desse arquivo é trazido ao conhecimento público pelo documentário "El Nuremberg Argentino", uma co-produção argentino-espanhola dirigida por Miguel Rodríguez Arias, que estréia esta semana na Argentina.
"Nós fizemos um documentário didático para os jovens que não viveram a história", explicou Arias à Folha, na pré-estréia do filme, anteontem. "As pessoas que viveram essa história têm certa resistência a voltar a vivê-la, mas a gente tem que revivê-la."
O filme não se limita a fazer um relato dos eventos no tribunal, mas reconstitui um retrato da repressão impulsionada por uma das mais violentas ditaduras na América Latina. A história é recontada em três tempos, a partir da combinação de filmagens da época, depoimentos atuais de ex-presos políticos e dos juízes que integraram o tribunal, e trechos selecionados das 530 horas de gravação do processo, hoje sob custódia judicial na Noruega.
O filme traz à tona episódios pouco conhecidos do tipo de tortura moral, psicológica e física a que eram submetidos os presos e das técnicas de "exclusão" usadas pelo regime, além de chocar pelo cinismo revelado pelos envolvidos na repressão. Um exemplo é o relato de um tenente que explica que sua função era "acionar a arma" contra "alvos" determinados por seus superiores, como "uma janela". Questionado se alguma vez seus superiores haviam designado como alvo uma pessoa, responde: "não me lembro".
No julgamento, receberam sentenças de prisão cinco dos nove acusados. Nos anos seguintes, levantes militares contra a execução das sentenças levaram Alfonsín a sancionar as leis de Ponto Final e Obediência Devida, que anistiaram e impediram novos julgamentos de ex-repressores.


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