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CINEMA
"El Nuremberg Argentino" narra julgamento de nove membros da junta militar que governou país durante ditadura
Documentário toca em ferida argentina
CAROLINA VILA-NOVA
DE BUENOS AIRES
Argentina, 1985. A Justiça do
país, impulsionada por decreto
do presidente Raúl Alfonsín
(1983-89), abre julgamento contra
nove membros das juntas militares que governaram o país na última ditadura (1976-83), pela campanha de prisões ilegais, torturas
e assassinatos feita pelo regime.
Durante os nove meses em que
se realizou o julgamento, no entanto, apenas fragmentos de imagens do recinto - sem áudio -
puderam ser televisionados.
Nunca os argentinos tiveram
acesso ao relato integral da defesa
dos chefes militares ou dos testemunhos das vítimas de ex-repressores, no primeiro julgamento de
ditadores militares impulsionado
por um governo civil na região.
Agora, parte desse arquivo é trazido ao conhecimento público pelo documentário "El Nuremberg
Argentino", uma co-produção argentino-espanhola dirigida por
Miguel Rodríguez Arias, que estréia esta semana na Argentina.
"Nós fizemos um documentário didático para os jovens que
não viveram a história", explicou
Arias à Folha, na pré-estréia do
filme, anteontem. "As pessoas
que viveram essa história têm certa resistência a voltar a vivê-la,
mas a gente tem que revivê-la."
O filme não se limita a fazer um
relato dos eventos no tribunal,
mas reconstitui um retrato da repressão impulsionada por uma
das mais violentas ditaduras na
América Latina. A história é recontada em três tempos, a partir
da combinação de filmagens da
época, depoimentos atuais de ex-presos políticos e dos juízes que
integraram o tribunal, e trechos
selecionados das 530 horas de
gravação do processo, hoje sob
custódia judicial na Noruega.
O filme traz à tona episódios
pouco conhecidos do tipo de tortura moral, psicológica e física a
que eram submetidos os presos e
das técnicas de "exclusão" usadas
pelo regime, além de chocar pelo
cinismo revelado pelos envolvidos na repressão. Um exemplo é o
relato de um tenente que explica
que sua função era "acionar a arma" contra "alvos" determinados
por seus superiores, como "uma
janela". Questionado se alguma
vez seus superiores haviam designado como alvo uma pessoa, responde: "não me lembro".
No julgamento, receberam sentenças de prisão cinco dos nove
acusados. Nos anos seguintes, levantes militares contra a execução
das sentenças levaram Alfonsín a
sancionar as leis de Ponto Final e
Obediência Devida, que anistiaram e impediram novos julgamentos de ex-repressores.
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