São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005

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Os fantasmas se divertem

Festa em SP resgata músicos como Ritchie, Kid Vinil e Leoni e consolida o revival dos anos 80

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Os anos 80 chegaram há 20 anos. Os anos 80 chegaram há dois anos. Os anos 80 chegam amanhã.
Bandas de sucesso na década de 80 como Legião Urbana, Titãs, Paralamas do Sucesso, Engenheiros do Hawaii, Barão Vermelho e Capital Inicial comeram grande parte do bolo e se lambuzaram pelos anos 90. Mas gente como Leo Jaime, Ritchie, Leoni, Kid Vinil e Roger Moreira foi desconvidada da festa após degustar algumas fatias. Agora, eles vieram buscar as partes que lhes cabiam.
Já ouvidas e celebradas em cidades como Fortaleza, Rio Branco (AC) e Rio de Janeiro, hits pegajosos como "Inútil", "Gatinha Manhosa", "Fixação" e "Menina Veneno" serão entoados neste sábado, no DirecTV Music Hall -o então Palace "naquela época"-, durante a "Festa Geração 80".
O evento é mais um -e um dos maiores- tentáculos de uma já estabelecida "indústria dos anos 80". É uma indústria que iniciou como reciclagem e agora se auto-recicla. Há pouco mais de dois anos, Gang of Four e Duran Duran voltaram à moda, por meio de bandas como Rapture e Fischerspooner. Grupos até então afastados do mundo pop, hoje Gang of Four e Duran Duran excursionam pela Inglaterra.
O Brasil entrou na onda. Livros sobre a década foram lançados (o mais proeminente, "Quem Tem um Sonho Não Dança", de Guilherme Bryan), festas foram criadas (em São Paulo, a Trash 80's lota nas quatro noites semanais) e carreiras foram ressuscitadas.
Leo Jaime, por exemplo. O autor de "Sete Vampiras" e "Nada Mudou", que nos anos 80 chegou a gravar seis discos, passou os 90 esquecido e lançou apenas um: "Todo Amor". No ano passado, a reviravolta. Criou um blog (http://leojaime.blog.uol.com.br/) que recebe mais de 20 mil visitas mensais, virou celebridade no Orkut (fez mil amigos em menos de dois meses) e dividiu vocais com Ian McCulloch (do Echo & the Bunnymen). Neste 2005, fará mais de 200 shows pelo país.
"Tudo isso sem apoio nenhum, sem dinheiro. Sou punk, independente, marginal, underground", afirma o cantor de 44 anos. "Minha vida é mais gostosa hoje do que naquela época."
O show de SP serve como uma alavanca para um circuito mais consistente para essa turma.
"Claro, tenho dificuldade de vender um show apenas meu, mas essa reunião é um sucesso, lotamos todas as apresentações", diz o inglês Ritchie. "Ouço falar desse revival desde que os anos 80 acabaram. É que agora isso é chique. Não é apenas nostalgia de quarentões. Muitos jovens, que não eram crescidos naquela época, gostam da gente, nos idolatram. E artista quer isso. No fundo, somos todos carentes."
Se há alguém que sofreu com o choque da virada dos anos 90, esse alguém é Ritchie. Hoje com 52 anos, em 1983 ele protagonizou um dos maiores fenômenos da música brasileira em todos os tempos. Sua "Menina Veneno" estourou nas rádios do país inteiro e impulsionou a vendagem do disco "Vôo de Coração" para além do até então insuperável Roberto Carlos -o LP vendeu 1,2 milhão de cópias.
"Era uma histeria", lembra. "No interior de São Paulo, teve uma vez que uma multidão de adolescentes virou meu carro de cabeça para baixo." Mas durou pouco.
A CBS (hoje Sony) passou a "vender" Ritchie como cantor romântico, espécie de Guilherme Arantes. Em retrospecto, nem ele nem os fãs concordaram. "Fui tarjado de cantor brega por uns e de artista sofisticado por outros."
Após alguns discos de impacto menor, desistiu da carreira. "Fui morar na Califórnia para trabalhar com sonorização de sites, com Thomas Dolby [artista britânico]." Em 2002, voltou a lançar disco de inéditas, "Auto-Fidelidade". "Mas não tenho mágoas nem me considero perseguido."
Além de Ritchie e Leo Jaime, a turnê "Festa Geração 80" é completada por Kid "Eu Sou Boy" Vinil, líder do antigo Magazine, e pelo baixista Leoni, ex-Kid Abelha & Os Abóboras Selvagens.
Nesta edição paulista, entra Roger Moreira, do Ultraje a Rigor. O ex-Blitz Evandro Mesquita completa o line-up em participação especial. O grupo deve tocar, separadamente, hits de suas carreiras; juntos, hits de outras carreiras, como "Geração Coca-Cola" (Legião Urbana) e "Pro Dia Nascer Feliz" (Barão Vermelho).
"Encaro isso como uma forma de mostrar a um público jovem coisas bacanas de uma certa época. Não tem a pecha de saudosismo", afirma Roger, 48. "É um negócio rentável, sim, mas como nos EUA. Lá se valoriza a produção do passado. Se você for numa loja, vai encontrar o primeiro disco do Bob Dylan. Aqui, se procurar o "Acabou Chorare" dos Novos Baianos, não encontra."
Mas o que deu errado? Para Leo Jaime, o bom humor de sua turma passou a ser malvisto. "A crítica da época começou a reagir contra. Eram viúvas do Nick Cave [cantor australiano], que achavam que artista tinha que ser deprimido, sofisticado. E isso influenciou as gravadoras. Tudo o que tínhamos, aquela coisa popular, democrática, bem-humorada, passou a ser vista como brega. E eu fiquei sem saber o que fazer."
Continua: "Em 1990, lancei um disco. Mas, com o Plano Collor, as gravadoras não tinham dinheiro e tiveram que optar por quem iriam divulgar. Aí eu percebi que os anos 80 tinham acabado." Mas, hoje, não é bem assim.


Festa Geração 80
Onde: DirecTV (av. Jamaris, 213, SP, tel. 0/xx/11/6846-6040)
Quando: amanhã, a partir das 22h
Quanto: de R$ 50 a R$ 100.


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