São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005

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OS FANTASMAS SE DIVERTEM

Indústria fonográfica investe na volta de ídolos da década, mas discos não vendem o esperado

Chega de retrô; nós odiamos os anos 80

JEFF LEEDS
DO "INDEPENDENT"

A música da década de 80 é de novo parte do "zeitgeist" (o espírito do tempo), e de maneira intensa. O que começou mais de uma década atrás em casas noturnas com noites de nostalgia se espalhou pelas rádios em programas de "flashback". E depois veio o sucesso retrô de estouros de bilheteria como "Afinado no Amor" e de videogames que abusavam dos tons pastéis saturados, como "Grand Theft Auto". Na TV, os sucessos da década agora formam a trilha sonora de incontáveis séries populares nos EUA, como "The O. C.", cujos produtores escolheram uma cover de "If You Leave", do OMD, para uma cena decisiva na temporada passada. Isso tudo prova que as canções marcadas por uso intenso de sintetizadores e as bandas de músicos cabeludos da era continuam a exercer estranho fascínio sobre a faixa etária dos 30 e poucos anos.
A indústria fonográfica demorou a agir, mas ao longo dos últimos 18 meses ela começou tardiamente a tentar ganhar dinheiro com a tendência. Músicos perdidos nos desertos do pop por mais de uma década decidiram entrar em contato com os velhos colegas de banda e reunir os grupos em nome da arte, do comércio, ou ambos. Uma série de grupos populares no passado, do New Edition aos ídolos pop Duran Duran e George Michael, passando por músicos que aspiram a maior seriedade como Tears for Fears e porta-estandartes da angústia adolescente como o Cure, sacudiram a poeira e assinaram contrato, em alguns casos lançando CDs com material novo pela primeira vez em 15 anos. Seguindo o exemplo do Motley Crue, que lançou um álbum duplo, Billy Idol, careteiro de roupas exageradas, os deprimidos mais fofinhos do planeta, o New Order, e o rapper Heavy D, famoso pelo mau humor, também lançarão novos álbuns.
Todos eles retornaram com alarde, percorrendo tapetes vermelhos em meio à gritaria de fãs, em visitas a estações de rádio e em shows especialmente produzidos.
No entanto, a despeito de todo esse entusiasmo dos fãs e dos milhões de dólares investidos em marketing, os anos 80 não estão vendendo. As pessoas podem ter voltado a usar a moda da época e dançar ao som das bandas de sua juventude, mas não estão procurando as lojas para comprar os novos discos. Para uma indústria que apostou no retrô, o momento é de luto nos Estados Unidos.
Tomemos, por exemplo, o Tears for Fears. O novo álbum da banda, "Everybody Loves a Happy Ending", vendeu apenas 80 mil cópias até 30 de janeiro -muito abaixo de seu disco anterior, "The Seeds of Love", com 1 milhão de cópias vendidas.
Reviver as carreiras de artistas que abandonaram a cena pop nunca é uma empreitada fácil, mas já foi feito -em geral por meio de uma atualização de imagem e de uma busca de maneiras de atrair novos fãs, além de manter os antigos satisfeitos.
Os executivos que orquestram o retorno dos músicos dos anos 80 estão seguindo as fórmulas estabelecidas. O Duran Duran trabalhou com alguns produtores atualizados -Don Gilmore, que produziu o Linkin Park, e Dallas Austin, que trabalhou com Pink- em seu novo disco. O Tears for Fears usou Brittany Murphy, uma atriz de grande apelo junto aos jovens, em seu novo vídeo.
E de certa maneira essas estratégias obtiveram sucesso: pesquisas da gravadora New Door com os consumidores demonstram que cerca de metade das pessoas que compraram o novo álbum do Tears for Fears não conheciam a música da banda anteriormente. A promoção de novos álbuns também ajudou as vendas desses grupos no exterior. Mas quando se trata do material novo, os fãs americanos de 30 e poucos anos que deveriam, pela lógica, formar a base da audiência, não estão nos números esperados.
De acordo com Ann Fishman, presidente da Generational Targeted Marketing, o problema não é a música, mas as lembranças. Os fãs da "Geração X" "não têm grande apego por sua juventude". "Presumimos que a nostalgia seja uma ótima ferramenta de vendas. Isso se aplica à geração "baby boom" [nascida entre 1946 e 1964], mas não à "Geração X". A história de sua juventude os forçou a amadurecer rápido. Eles gostam da música de sua juventude, mas não têm necessidade dela".
A teoria poderia ajudar a explicar por que Madonna e Prince tiveram um ano muito bom. Ambos se deram bem nos anos 80 e continuaram tocando, atualizando sua imagem. Os álbuns recentes não pareciam retomadas compulsórias de uma carreira, mas simplesmente um novo capítulo.
Agravando as dificuldades temos o fato de que os astros desaparecidos dos anos 80 estão voltando a um cenário musical que mal reconhecem. A maquinaria que os transformou em fenômenos de vendas duas décadas atrás -as rádios e a MTV- há muito foi desmantelada ou mudou. O espectro de rádio passou a ser dividido entre formatos administrados com grande rigor, dirigidos a nichos específicos. E no que tange à MTV, a novidade se desgastou. A gigante do setor hoje devota mais tempo a programas "reality show" e estilo de vida.
Mas essas bandas devem se sair muito bem em suas turnês pela América do Norte. O Motley Crue receberá cachês mínimos de US$ 250 mil por noite (cerca de R$ 650 mil). O Duran Duran, além de cachês elevados, vem aproveitando a tendência de preferência por ingressos VIP. Oferece aos fãs a chance de comprar pacotes de viagem, com duas noites em hotel e recordações autografadas, a US$ 2.590 (cerca de R$ 6.700).
"É difícil para nós tocar o material velho, porque só queremos tocar o novo", diz Curt Smith, do Tears for Fears. "Seria horrível tocar ao vivo e ter o público todo pedindo "Shout". A emoção em muitas das canções que compusemos no passado já não nos diz nada. Existem certas emoções que a gente sente na adolescência e aos 20 anos que não existem mais, na verdade, aos 40. Havia uma certa "angst" que tínhamos e não temos mais. Agora, a nossa angústia é a da meia-idade".
De qualquer jeito, o tempo está se esgotando. Quer você ame ou odeie esse tipo de música, o segundo advento dos anos 80 já está durando quase tanto quanto a década original. Além disso, os anos 90 estão prontos para um retoque e um novo momento de glória. "With the Lights Out", caixa com discos do Nirvana, foi um dos grandes sucessos de venda no Natal de 2004 nos EUA. Os bares da moda começaram a organizar noites dos anos 90, ou adotaram temas que retomam a década.


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