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COMENTÁRIO
Distanciamento conta a favor dos anos 80
Envelhecer é a melhor estratégia
ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA
O cabelo esbranquiçou, a
pele engruvinhou, a barriga arredondou. Mas envelhecer é ótimo. Porque mudamos
por dentro também. Ninguém
é o mesmo aos 15 e aos 50 anos.
Você aprende a rir de si mesmo
e a exigir menos da vida. Fica
mais seguro, sabido e feliz.
Claro que quando você reencontra depois de uma década
aquele seu chapa do colegial,
vocês vão se tratar como se ainda estivessem zoando na turma
do fundão. É o que os dois têm
em comum. É como reencontrar Ritchie, Leo Jaime, Kid Vinil, Roger e Leoni 20 anos depois. A turma da "Festa Geração 80" e o povo da platéia vão
fingir que é 1985 e que todo
mundo lá é mais bobo e moleque do que realmente é.
Qual o problema? Deveria ser
nenhum. Viver do passado é
para quem tem passado. Qualquer banda com mais de cinco
anos paga as contas com velhos
hits. O que você esperava? Que
João Barone trocasse a bateria
pela odontologia?
Pois é isso que todos nós esperamos. Sabemos que a vida
não acaba aos 18 e que adultos
têm que ganhar a vida. Que
ninguém faz sucesso para sempre. Só o fato de ter sido sucesso uma vez na vida já é raridade
e merece gratidão eterna.
Nunca saciamos a sede por
novidade, cada vez mais o motor da vida na Terra. O novo sabor, a nova cor, a versão 2.1, o
esporte mais radical, a teoria de
administração que realmente
funciona. Cheiro de fábrica é o
que move o produto na gôndola. E nessa correria fica difícil
perdoar quem ficou para trás,
quem não usa a grife do mês
nem cita os queridinhos da semana. Roqueiros com pé-de-galinha são alvo facílimo.
Os caras da "Festa Geração
80" entram no campo com tudo jogando contra. Nunca foram descolados. Não contam
com apoio de gravadora. Nem
jabá. Nem música na novela.
Nem capa de revista. O que eles
têm a seu favor é que envelheceram. O tempo fez os anos 80
parecerem sensacionais para
quem não os viveu. E dourados
para quem estava lá.
E quer saber? É uma escalação muito representativa do
melhor do rock brasileiro. Porque pop e rock não são gêneros
musicais. São posturas. Pop é
sempre a favor. Rock é sempre
do contra. Está no coração da
cultura brasileira que a contestação nunca é direta -preferimos a esculhambação à agressão e a maledicência à crítica.
Para o bem e o mal. Por isso o
rock é tão mais brasileiro quanto mais movido a tiração de
sarro. Soa mais verdadeiro e
mais relevante, ainda que seja
quase sempre detonado pela
crítica (as comédias também
são esnobadas no Oscar).
É uma tradição que vai da jovem guarda a Raul Seixas, aos
Raimundos, a D2 -e inclui
com honras Kid Vinil, Leo Jaime e principalmente o Ultraje.
Ritchie não destoa. Inglês carioca, nosso Gary Numan nunca se levou a sério.
As notas atravessadas são o
sorumbático Leoni e um prometido final com "Geração Coca-Cola". Mas depois de uma
certa idade, você fica menos
exigente e mais relax. Portanto,
nada que estrague uma festa
com "Sou Boy", "A Vida Não
Presta" e a imortal "Inútil".
André Forastieri, 39, é diretor da Conrad Editora
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