São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 2005

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COMENTÁRIO

Distanciamento conta a favor dos anos 80

Envelhecer é a melhor estratégia

ANDRÉ FORASTIERI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O cabelo esbranquiçou, a pele engruvinhou, a barriga arredondou. Mas envelhecer é ótimo. Porque mudamos por dentro também. Ninguém é o mesmo aos 15 e aos 50 anos. Você aprende a rir de si mesmo e a exigir menos da vida. Fica mais seguro, sabido e feliz.
Claro que quando você reencontra depois de uma década aquele seu chapa do colegial, vocês vão se tratar como se ainda estivessem zoando na turma do fundão. É o que os dois têm em comum. É como reencontrar Ritchie, Leo Jaime, Kid Vinil, Roger e Leoni 20 anos depois. A turma da "Festa Geração 80" e o povo da platéia vão fingir que é 1985 e que todo mundo lá é mais bobo e moleque do que realmente é.
Qual o problema? Deveria ser nenhum. Viver do passado é para quem tem passado. Qualquer banda com mais de cinco anos paga as contas com velhos hits. O que você esperava? Que João Barone trocasse a bateria pela odontologia?
Pois é isso que todos nós esperamos. Sabemos que a vida não acaba aos 18 e que adultos têm que ganhar a vida. Que ninguém faz sucesso para sempre. Só o fato de ter sido sucesso uma vez na vida já é raridade e merece gratidão eterna.
Nunca saciamos a sede por novidade, cada vez mais o motor da vida na Terra. O novo sabor, a nova cor, a versão 2.1, o esporte mais radical, a teoria de administração que realmente funciona. Cheiro de fábrica é o que move o produto na gôndola. E nessa correria fica difícil perdoar quem ficou para trás, quem não usa a grife do mês nem cita os queridinhos da semana. Roqueiros com pé-de-galinha são alvo facílimo.
Os caras da "Festa Geração 80" entram no campo com tudo jogando contra. Nunca foram descolados. Não contam com apoio de gravadora. Nem jabá. Nem música na novela. Nem capa de revista. O que eles têm a seu favor é que envelheceram. O tempo fez os anos 80 parecerem sensacionais para quem não os viveu. E dourados para quem estava lá.
E quer saber? É uma escalação muito representativa do melhor do rock brasileiro. Porque pop e rock não são gêneros musicais. São posturas. Pop é sempre a favor. Rock é sempre do contra. Está no coração da cultura brasileira que a contestação nunca é direta -preferimos a esculhambação à agressão e a maledicência à crítica. Para o bem e o mal. Por isso o rock é tão mais brasileiro quanto mais movido a tiração de sarro. Soa mais verdadeiro e mais relevante, ainda que seja quase sempre detonado pela crítica (as comédias também são esnobadas no Oscar).
É uma tradição que vai da jovem guarda a Raul Seixas, aos Raimundos, a D2 -e inclui com honras Kid Vinil, Leo Jaime e principalmente o Ultraje. Ritchie não destoa. Inglês carioca, nosso Gary Numan nunca se levou a sério.
As notas atravessadas são o sorumbático Leoni e um prometido final com "Geração Coca-Cola". Mas depois de uma certa idade, você fica menos exigente e mais relax. Portanto, nada que estrague uma festa com "Sou Boy", "A Vida Não Presta" e a imortal "Inútil".


André Forastieri, 39, é diretor da Conrad Editora

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