São Paulo, sábado, 25 de fevereiro de 2006

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LIVROS

ENSAIO

Em nova obra, filósofo francês faz dura crítica à sociedade americana

Bernard-Henri Lévy repete a jornada de Tocqueville nos EUA

SÉRGIO RIZZO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A os 30 anos, o historiador francês Alexis de Tocqueville (1805-1859) publicou o primeiro volume de sua obra mais conhecida, "Da Democracia na América". "Não conheço nenhum país onde, em geral, haja menor independência de mente e genuína liberdade de discussão do que nos Estados Unidos", dizia.
A ambigüidade, para ele, resumia-se a dois aspectos fundamentais: ao mesmo tempo em que considerava a formação dos EUA uma experiência democrática exemplar, eventualmente um modelo para a sociedade francesa, temia os efeitos da "tirania da maioria" sobre o livre-arbítrio de cada indivíduo.
Corria-se assim o risco, acreditava Tocqueville, de que a sociedade gerasse opressão mental baseada na idéia de que a maioria tem sempre razão. Nessa linha de raciocínio, democracia e liberdade não significavam a mesma coisa, e o que faltava aos EUA seriam as virtudes das "boas" sociedades aristocráticas européias.
Não espanta que, ao repetir a jornada de Tocqueville quase dois séculos depois, com as experiências democráticas norte-americanas e européias já consolidadas, e as diferenças entre EUA e França reaquecidas pelas divergências políticas no período pós-11 de Setembro, o filósofo francês Bernard-Henri Lévy, 57, tenha despertado intensa polêmica.
"American Vertigo - Traveling America in the Footsteps of Tocqueville" (vertigem americana -°viajando pelos EUA nos passos de Tocqueville) é o resultado de meses de jornada, sob o patrocínio da revista "The Atlantic Monthly", com o objetivo inicial de produzir textos que misturassem crônica sociocultural com reportagem.
Publicado no início deste ano, o livro dá um aspecto mais solene ao pacote: por mais que Lévy procure rebaixar a pretensão de suas notas de viagem, atribuindo a elas um caráter despretensioso, não há como escamotear a evidência de que um intelectual francês optou por um recorte dos EUA que, na sua avaliação, ajuda a entender o país. Parte das reações negativas tem a ver, em primeiro lugar, com essa definição do que se presta à análise. O escritor e apresentador Garrison Keillor, por exemplo, assinou resenha no "The New York Times" em que ridiculariza algumas das escolhas, como shows de strip-tease em Las Vegas, a opulência de Beverly Hills, a musicalidade de Bourbon Street e a mística de Graceland.
Keillor considera que Lévy faz mau uso desses chavões e que, se estivesse interessado em compreender o cotidiano do país, se preocuparia com outras coisas, mais representativas da diversidade sociocultural dos EUA. Por fim, convida o autor a empregar sua verve para explicar os recentes conflitos na periferia de Paris.

Miragem americana
Apelou, perdeu a razão -esse tipo de argumento desqualificatório talvez seja tipicamente norte-americano. Em defesa de Lévy, é importante registrar que identifica entre seus objetos de estudo a idéia de EUA que se faz na Europa (e, com pequenas variações, no restante do mundo ocidental).
Não exatamente o país e sua gente, portanto, mas uma miragem construída a partir de certos ícones cujas origens incluem as obras de Tocqueville. É para essas construções ideológicas que se volta com atenção, tributário de um estilo de especulação intelectual que, também ele, soa estranho ao funcionalismo norte-americano, mas sedutor aos que vêem emergir do discurso um mundo que não se revela no dia-a-dia.
Lévy talvez tenha mexido em vespeiro ao admitir que um de seus propósitos era o de entender por que teria nascido o forte sentimento anti-EUA na França. Se a mentalidade conservadora norte-americana (a maioria exercendo sua tirania sobre os demais?) não admite o fato de que os EUA deixaram em algum momento de ser o país simpático que ajudou a libertar e reconstruir a Europa para adquirir, na opinião pública do continente, certa vilania, eis aí mais um dado da vertigem.


American Vertigo - Traveling America in the Footsteps of Tocqueville
   
Autor:
Bernard-Henri Lévy
Editora: Random House (EUA)
Quanto: US$ 24,95 (310 págs.; R$ 77,59 na Livraria Cultura)


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