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ENSAIO
Em nova obra, filósofo francês faz dura crítica à sociedade americana
Bernard-Henri Lévy repete a jornada de Tocqueville nos EUA
SÉRGIO RIZZO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A os 30 anos, o historiador
francês Alexis de Tocqueville
(1805-1859) publicou o primeiro
volume de sua obra mais conhecida, "Da Democracia na América".
"Não conheço nenhum país onde,
em geral, haja menor independência de mente e genuína liberdade de discussão do que nos Estados Unidos", dizia.
A ambigüidade, para ele, resumia-se a dois aspectos fundamentais: ao mesmo tempo em que
considerava a formação dos EUA
uma experiência democrática
exemplar, eventualmente um
modelo para a sociedade francesa, temia os efeitos da "tirania da
maioria" sobre o livre-arbítrio de
cada indivíduo.
Corria-se assim o risco, acreditava Tocqueville, de que a sociedade gerasse opressão mental baseada na idéia de que a maioria
tem sempre razão. Nessa linha de
raciocínio, democracia e liberdade não significavam a mesma coisa, e o que faltava aos EUA seriam
as virtudes das "boas" sociedades
aristocráticas européias.
Não espanta que, ao repetir a
jornada de Tocqueville quase dois
séculos depois, com as experiências democráticas norte-americanas e européias já consolidadas, e
as diferenças entre EUA e França
reaquecidas pelas divergências
políticas no período pós-11 de Setembro, o filósofo francês Bernard-Henri Lévy, 57, tenha despertado intensa polêmica.
"American Vertigo - Traveling
America in the Footsteps of Tocqueville" (vertigem americana
-°viajando pelos EUA nos passos
de Tocqueville) é o resultado de
meses de jornada, sob o patrocínio da revista "The Atlantic
Monthly", com o objetivo inicial
de produzir textos que misturassem crônica sociocultural com reportagem.
Publicado no início deste ano, o
livro dá um aspecto mais solene
ao pacote: por mais que Lévy procure rebaixar a pretensão de suas
notas de viagem, atribuindo a elas
um caráter despretensioso, não
há como escamotear a evidência
de que um intelectual francês optou por um recorte dos EUA que,
na sua avaliação, ajuda a entender
o país. Parte das reações negativas
tem a ver, em primeiro lugar, com
essa definição do que se presta à
análise. O escritor e apresentador
Garrison Keillor, por exemplo, assinou resenha no "The New York
Times" em que ridiculariza algumas das escolhas, como shows de
strip-tease em Las Vegas, a opulência de Beverly Hills, a musicalidade de Bourbon Street e a mística de Graceland.
Keillor considera que Lévy faz
mau uso desses chavões e que, se
estivesse interessado em compreender o cotidiano do país, se
preocuparia com outras coisas,
mais representativas da diversidade sociocultural dos EUA. Por
fim, convida o autor a empregar
sua verve para explicar os recentes conflitos na periferia de Paris.
Miragem americana
Apelou, perdeu a razão -esse
tipo de argumento desqualificatório talvez seja tipicamente norte-americano. Em defesa de Lévy, é
importante registrar que identifica entre seus objetos de estudo a
idéia de EUA que se faz na Europa
(e, com pequenas variações, no
restante do mundo ocidental).
Não exatamente o país e sua
gente, portanto, mas uma miragem construída a partir de certos
ícones cujas origens incluem as
obras de Tocqueville. É para essas
construções ideológicas que se
volta com atenção, tributário de
um estilo de especulação intelectual que, também ele, soa estranho ao funcionalismo norte-americano, mas sedutor aos que vêem
emergir do discurso um mundo
que não se revela no dia-a-dia.
Lévy talvez tenha mexido em
vespeiro ao admitir que um de
seus propósitos era o de entender
por que teria nascido o forte sentimento anti-EUA na França. Se a
mentalidade conservadora norte-americana (a maioria exercendo
sua tirania sobre os demais?) não
admite o fato de que os EUA deixaram em algum momento de ser
o país simpático que ajudou a libertar e reconstruir a Europa para
adquirir, na opinião pública do
continente, certa vilania, eis aí
mais um dado da vertigem.
American Vertigo - Traveling
America in the Footsteps of
Tocqueville
Autor: Bernard-Henri Lévy
Editora: Random House (EUA)
Quanto: US$ 24,95 (310 págs.; R$ 77,59
na Livraria Cultura)
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