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FERREIRA GULLAR
O sonho acabou
O PT é um partido em mutação, como seu líder, que trocou o radicalismo pela prática populista
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O PT é um partido em mutação.
E não é de hoje. O partido
com pretensões revolucionárias, que nasceu em 1980, manteve o discurso radical enquanto pôde,
ajustando-o à realidade, fosse em
Ribeirão Preto, fosse em Santo André, até que, no plano nacional, após
sucessivas derrotas de Lula, teve que
baixar a crista: parou de falar na
reestatização das empresas privatizadas por Fernando Henrique, de
ameaçar romper com o FMI, de renegar a política econômica que acusava de neoliberal, de insistir na revogação da Lei de Responsabilidade
Fiscal. Com isso, ganhou as eleições
presidenciais de 2002 e chegou afinal ao poder.
Não é preciso exagerar na imaginação para supor o que então se passou na cabeça dos petistas: não podiam perder aquela oportunidade
de assenhorear-se da máquina do
Estado, de fortalecer suas bases, dar
forças às organizações sociais e sindicais, a fim de se perpetuar no poder. Às vésperas dos escândalos de 2005, José Dirceu, então chefe da
Casa Civil da Presidência, afirmou
em Madri que o PT ficaria no governo do Brasil por 20 anos, no mínimo.
Foi, então, que estourou a bomba
e vieram à tona as falcatruas de que o
PT e Lula haviam lançado mão para
viabilizar seus planos de perpetuação no poder. O instrumento principal foi o mensalão, que permitia ao
governo contar com o apoio dos partidos aliados sem lhes entregar cargos importantes no governo, privilégio quase que exclusivo dos petistas.
Esse aparelhamento dos ministérios e empresas estatais garantiria a
permanência no poder e a realização
de seu projeto político.
A denúncia das falcatruas não só
inviabilizou o projeto petista como
mostrou que ele era inviável, já que o
eleitorado não votara no Lula para
perpetuá-lo no governo nem para
que pusesse em prática as idéias radicais do passado. E se Lula e o PT tiveram que comprar deputados foi
porque não detinham a maioria dos
votos na Câmara Federal. Resumindo: a ascensão dos petistas ao poder
e a tentativa de nele se manter serviram para demonstrar que o sonho
petista tornara-se anacrônico, ou
seja, a realidade dissipara a fantasia
e mostrara que ele se tornara um
partido como os demais.
A convicção de muitos de que,
após os escândalos, o PT naufragaria, não se confirmou: as CPIs não
deram em nada; o plenário da Câmara inocentou quase todos os envolvidos no mensalão, cuja cassação
havia sido proposta pelo Conselho
de Ética; os que renunciaram ao
mandato foram reeleitos no pleito
do ano passado. E, para a alegria dos
petistas, sua representação na Câmara Federal aumentou -tornou-se a segunda maior bancada.
Esse fato não deixa de ser surpreendente e decepcionante para
quem acredita que a ética deve pautar a vida política, mas não é novidade. Quantos políticos comprovadamente corruptos têm sido eleitos e
reeleitos para exercer a função de legisladores, prefeitos, governadores?
A desculpa usada pelos corruptos é
sempre a mesma: alegam que as acusações não passam de calúnias dos
inimigos políticos e da imprensa,
que os odeia porque eles defendem
os interesses dos pobres...
Também nisso o PT se comportou
como um partido igual aos outros.
O próprio Lula afirmou que a imprensa vive inventando mentiras
contra seu governo e seus companheiros, o que foi recentemente repetido por ele e por seu ministro
Tarso Genro, partidários ambos de
uma imprensa "independente", dirigida por sindicatos e organizações
populares, certamente financiada
com dinheiro público.
Mas isso é outro assunto. Como
disse no começo desta crônica, o PT
é um partido em mutação, juntamente com a figura de seu líder, que
trocou o radicalismo de palavra pela
prática populista sem que nem um
nem outro queiram assumir isso,
por razões óbvias. Diz-se, com freqüência, que o PT tem por mania a
luta interna. Mas não é mania; ele vive uma crise de identidade: as facções de esquerda insistem em discutir os erros cometidos e punir os culpados, enquanto o Campo Majoritário, que os cometeu, quer apenas esquecê-los; e Lula também.
Sabem que o PT que ganhou as
eleições de 2006 não foi o mesmo
que as ganhou em 2002; seu eleitorado é, agora, preponderantemente
dos grotões; e mesmo o eleitor mais
consciente, que ainda votou neles,
também mudou, passou a exigir menos. É como se dissesse: "Antes uma
esquerda populista do que nenhuma". Dá para entender, pois é muito
difícil abrir mão de um sonho generoso que nos deixa em paz com nossa consciência. Mais difícil ainda é
admitir que não há soluções mágicas
nem definitivas para os problemas.
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