São Paulo, domingo, 25 de março de 2007

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ENTREVISTA CHICO ANYSIO

O humor não tem que ser julgado por ser novo ou velho

Comediante contesta a necessidade de renovar o humor e diz que "povo prefere piada que já conhece'

Anysio diz não assistir a humorísticos e afirma que se sentia "fora do habitat" quando tinha quadro no programa "Zorra Total"

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Por boa parte dos anos 70, a ensolarada (e fictícia) Chico City foi a capital nacional do riso. Era para lá que, semanalmente, Pantaleão levava uma legião de telespectadores ávidos por ouvir suas lorotas, enquanto o prefeito Valfrido Canavieira preparava mais uma jogada populista. O som de Baiano e os Novos Caetanos embalava os comícios.
Pois os personagens de Chico City e outros se recolheram ao longo das últimas décadas, e restou Chico Anysio, 76. É a figura de um comediante saudosista e desanimado (amargurado talvez?) que aparece na entrevista desta página e em "Chico Anysio É", documentário inédito que o Canal Brasil mostra nesta quinta, dia 29, às 23h. "Meu único prazer no momento é acordar. Quero mais é menos", disse ele, que sofre de enfisema pulmonar, à Folha.
Com a carreira televisiva restrita a participações especiais (está na novela global "Pé na Jaca") e sem atuar em um filme há 11 anos (desde "Tieta"), Anysio prefere evocar os tempos de rádio Guanabara, no Rio. Ali, a partir de 1947, foi programador de boleros na madrugada, rádio-galã, humorista e comentou jogos do "Expresso da Vitória" vascaíno. Dez anos depois, estreava na TV Rio com o "Noite de Gala".
Em 1968, migrou para a Globo, onde emendou "Balança, mas Não Cai", "Chico Anysio Show", "Escolinha do Professor Raimundo" e outros. Se o humor se renovou ou não nas últimas quatro décadas, não lhe interessa. "O humor não tem que ser julgado por ser novo ou velho, mas por ser bom ou ruim", defende. "O povo prefere piada que já conhece." Leia abaixo os principais trechos da entrevista.  

FOLHA - Nos intervalos da carreira de ator, o sr. compôs músicas como "Rio Antigo" e "Choro Louco". No documentário "Chico Anysio É", diz que "Águas de Março" também deveria ter sido criação sua. Por quê?
CHICO ANYSIO
- Porque o Tom Jobim era um homem da cidade, do asfalto de Ipanema. Eu fui um cara do interior, então eu vi o tijolo chegando para a construção, sei que só podia caiar [pintar] a casa depois das águas de março. Eu vi febre terçã. É feito "A Banda": o Chico [Buarque] nunca viu a banda passar. Ele descreveu perfeitamente, mas por talento, e não experiência.

FOLHA - O documentário lembra também seu trabalho como escritor, pintor, diretor de cinema e comentarista esportivo. A qual dessas atividades gostaria de ter dedicado mais tempo?
ANYSIO
- À pintura. Porque teria tido mais tempo para aprender, para melhorar. Teria mais tempo para me tornar conhecido e aceito, para vender meus quadros por um preço melhor. Cheguei a admitir que a pintura seria meu emprego da velhice, mas não vai ser, porque ninguém está comprando nada de obra de arte, e pintar para guardar é terrível.

FOLHA - Não dá para seguir pintando por prazer?
ANYSIO
- Tenho 76 anos. Meu único prazer no momento é acordar. Quero mais é menos.

FOLHA - O começo de sua carreira, foi na rádio Guanabara. Em 2000, um crítico escreveu que, passados mais de 50 anos, o sr. ainda insistia no humor radiofônico (de bordões e piadas repetidas). Esse humor ainda tem vez?
ANYSIO
- Vou lhe dizer uma coisa. Só acredito no humor falado. Não acredito no visual. E, se uma pessoa quiser me dizer que o humor visual é melhor que o falado, que tente me dizer sem falar. Essa frase é do Millôr [Fernandes]. O humor falado é o que fica.

FOLHA - Qual o futuro do humor brasileiro?
ANYSIO
- Não tenho a menor idéia, por uma razão: não assisto. Sou um cara de língua solta e não quero dar palpite. Eu ando pelo Brasil todo e só ouço reclamação. Todo mundo reclama do "Zorra Total", do "Casseta e Planeta", da "Praça É Nossa". Eu prefiro não ver. Se quisessem palpite, pediriam para mim. Mas ninguém me pergunta, ninguém quer saber, cada um sabe o que tem que fazer...

FOLHA - O sr. se ressente de não ser consultado sobre os humorísticos?
ANYSIO
- Não, não. Não me ressinto de nada. Há 20 anos, eu imaginava o seguinte: "Quando não puder mais trabalhar, vou ser supervisor do humor da casa". E aí [risos] esse cara foi o Guel Arraes, não fui eu. Mas não fiquei com bronca do Guel.

FOLHA - Como o senhor avalia o trabalho dele?
ANYSIO
- Não avalio porque não vejo. O que vi, gostei, que foi "A Comédia da Vida Privada". Cada um tem seu jeito, né? Mas deve ser o que a Globo mais gosta...

FOLHA - Tem algum projeto de programa?
ANYSIO
- Eu e meu irmão [Elano de Paula] fizemos a novela da terceira idade. A nossa intenção era que ela fosse ao ar às 17h. O meu irmão chamou o Daniel Filho e perguntou: "Do que é que o público mais gosta em novela?". Ele respondeu: "Repetição. Quanto mais você repetir, melhor". Dá a impressão de que é um exagero, né? Mas fiz há pouco "Sinhá Moça" e gravei pelo menos umas 14 cenas que eram a mesma coisa. Acho que cada novelista tem só uma história. No humor, é a mesma coisa. O povo prefere a piada que já conhece. Em 1948, Haroldo Barbosa, Antônio Maria, Jota Ruy, eu e outros combinamos que o nosso humor, o humor brasileiro, seria o de quadros e personagens que se repetem semanalmente. Não é novo nem velho. É o humor que existe. Ele não tem que ser julgado por ser novo ou velho, mas por ser bom ou ruim.

FOLHA - Em ensaio publicado na "Vanity Fair" e reproduzido na Folha, o escritor inglês Christopher Hitchens defendeu que as mulheres não são engraçadas porque não precisam desse atributo na conquista amorosa. Como o sr. vê essa tese?
ANYSIO
- Acho que ele exagera. Mas tem um fundo de verdade. As mulheres atraem pela beleza, e os homens, pelo humor. Um cara mal-humorado não há mulher que suporte. Um bem-humorado pode até ser meio feio que ela suporta. Eu até me vali muito disso na minha vida... Acho que a mulher não gosta tanto de fazer humor porque não gosta de aparecer feia; o homem não se incomoda.

FOLHA - No mesmo artigo, Hitchens afirma que, em termos de humor, obscenidade e sujeira são "o que os clientes querem". O senhor viu o filme "Borat"? Como vê esse humor que combina escatologia, escracho e incorreção política?
ANYSIO
- Não vi o filme. Não concordo com esse humor grotesco, com esses atrevimentos. O meu humor é manso, falado, leva uma mensagem. Quando estava no "Zorra Total", me sentia deslocado, fora do meu habitat. Eu criei aquele programa, mas não era para ser assim.

FOLHA - Havia excessos?
ANYSIO
- Todos. Aquelas modelos de biquíni em uma festa a rigor eram um absurdo. Tem um erro muito grande ali.


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