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ENTREVISTA CHICO ANYSIO
O humor não tem que ser julgado por ser novo ou velho
Comediante contesta a necessidade de renovar o humor e diz que "povo prefere piada que já conhece'
Anysio diz não assistir a humorísticos e afirma que se sentia "fora do habitat" quando tinha quadro no programa "Zorra Total"
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
Por boa parte dos anos 70, a
ensolarada (e fictícia) Chico
City foi a capital nacional do riso. Era para lá que, semanalmente, Pantaleão levava uma
legião de telespectadores ávidos por ouvir suas lorotas, enquanto o prefeito Valfrido Canavieira preparava mais uma
jogada populista. O som de
Baiano e os Novos Caetanos
embalava os comícios.
Pois os personagens de Chico
City e outros se recolheram ao
longo das últimas décadas, e
restou Chico Anysio, 76. É a figura de um comediante saudosista e desanimado (amargurado talvez?) que aparece na entrevista desta página e em "Chico Anysio É", documentário
inédito que o Canal Brasil mostra nesta quinta, dia 29, às 23h.
"Meu único prazer no momento é acordar. Quero mais é menos", disse ele, que sofre de enfisema pulmonar, à Folha.
Com a carreira televisiva restrita a participações especiais
(está na novela global "Pé na
Jaca") e sem atuar em um filme
há 11 anos (desde "Tieta"), Anysio prefere evocar os tempos de
rádio Guanabara, no Rio. Ali, a
partir de 1947, foi programador
de boleros na madrugada, rádio-galã, humorista e comentou jogos do "Expresso da Vitória" vascaíno.
Dez anos depois, estreava na
TV Rio com o "Noite de Gala".
Em 1968, migrou para a Globo,
onde emendou "Balança, mas
Não Cai", "Chico Anysio
Show", "Escolinha do Professor Raimundo" e outros. Se o
humor se renovou ou não nas
últimas quatro décadas, não
lhe interessa. "O humor não
tem que ser julgado por ser novo ou velho, mas por ser bom
ou ruim", defende. "O povo
prefere piada que já conhece."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
FOLHA - Nos intervalos da carreira
de ator, o sr. compôs músicas como
"Rio Antigo" e "Choro Louco". No
documentário "Chico Anysio É", diz
que "Águas de Março" também deveria ter sido criação sua. Por quê?
CHICO ANYSIO - Porque o Tom
Jobim era um homem da cidade, do asfalto de Ipanema. Eu
fui um cara do interior, então
eu vi o tijolo chegando para a
construção, sei que só podia
caiar [pintar] a casa depois das
águas de março. Eu vi febre terçã. É feito "A Banda": o Chico
[Buarque] nunca viu a banda
passar. Ele descreveu perfeitamente, mas por talento, e não
experiência.
FOLHA - O documentário lembra
também seu trabalho como escritor,
pintor, diretor de cinema e comentarista esportivo. A qual dessas atividades gostaria de ter dedicado mais
tempo?
ANYSIO - À pintura. Porque teria tido mais tempo para aprender, para melhorar. Teria mais
tempo para me tornar conhecido e aceito, para vender meus
quadros por um preço melhor.
Cheguei a admitir que a pintura
seria meu emprego da velhice,
mas não vai ser, porque ninguém está comprando nada de
obra de arte, e pintar para guardar é terrível.
FOLHA - Não dá para seguir pintando por prazer?
ANYSIO - Tenho 76 anos. Meu
único prazer no momento é
acordar. Quero mais é menos.
FOLHA - O começo de sua carreira,
foi na rádio Guanabara. Em 2000,
um crítico escreveu que, passados
mais de 50 anos, o sr. ainda insistia
no humor radiofônico (de bordões e
piadas repetidas). Esse humor ainda
tem vez?
ANYSIO - Vou lhe dizer uma
coisa. Só acredito no humor falado. Não acredito no visual. E,
se uma pessoa quiser me dizer
que o humor visual é melhor
que o falado, que tente me dizer
sem falar. Essa frase é do Millôr
[Fernandes]. O humor falado é
o que fica.
FOLHA - Qual o futuro do humor
brasileiro?
ANYSIO - Não tenho a menor
idéia, por uma razão: não assisto. Sou um cara de língua solta e
não quero dar palpite. Eu ando
pelo Brasil todo e só ouço reclamação. Todo mundo reclama
do "Zorra Total", do "Casseta e
Planeta", da "Praça É Nossa".
Eu prefiro não ver. Se quisessem palpite, pediriam para
mim. Mas ninguém me pergunta, ninguém quer saber, cada
um sabe o que tem que fazer...
FOLHA - O sr. se ressente de não ser
consultado sobre os humorísticos?
ANYSIO - Não, não. Não me ressinto de nada. Há 20 anos, eu
imaginava o seguinte: "Quando
não puder mais trabalhar, vou
ser supervisor do humor da casa". E aí [risos] esse cara foi o
Guel Arraes, não fui eu. Mas
não fiquei com bronca do Guel.
FOLHA - Como o senhor avalia o
trabalho dele?
ANYSIO - Não avalio porque
não vejo. O que vi, gostei, que
foi "A Comédia da Vida Privada". Cada um tem seu jeito, né?
Mas deve ser o que a Globo
mais gosta...
FOLHA - Tem algum projeto de programa?
ANYSIO - Eu e meu irmão [Elano de Paula] fizemos a novela
da terceira idade. A nossa intenção era que ela fosse ao ar às
17h. O meu irmão chamou o
Daniel Filho e perguntou: "Do
que é que o público mais gosta
em novela?". Ele respondeu:
"Repetição. Quanto mais você
repetir, melhor". Dá a impressão de que é um exagero, né?
Mas fiz há pouco "Sinhá Moça"
e gravei pelo menos umas 14 cenas que eram a mesma coisa.
Acho que cada novelista tem só
uma história.
No humor, é a mesma coisa.
O povo prefere a piada que já
conhece. Em 1948, Haroldo
Barbosa, Antônio Maria, Jota
Ruy, eu e outros combinamos
que o nosso humor, o humor
brasileiro, seria o de quadros e
personagens que se repetem
semanalmente. Não é novo
nem velho. É o humor que existe. Ele não tem que ser julgado
por ser novo ou velho, mas por
ser bom ou ruim.
FOLHA - Em ensaio publicado na
"Vanity Fair" e reproduzido na Folha, o escritor inglês Christopher Hitchens defendeu que as mulheres
não são engraçadas porque não precisam desse atributo na conquista
amorosa. Como o sr. vê essa tese?
ANYSIO - Acho que ele exagera.
Mas tem um fundo de verdade.
As mulheres atraem pela beleza, e os homens, pelo humor.
Um cara mal-humorado não há
mulher que suporte. Um bem-humorado pode até ser meio
feio que ela suporta. Eu até me
vali muito disso na minha vida... Acho que a mulher não
gosta tanto de fazer humor porque não gosta de aparecer feia;
o homem não se incomoda.
FOLHA - No mesmo artigo, Hitchens afirma que, em termos de humor, obscenidade e sujeira são "o
que os clientes querem". O senhor
viu o filme "Borat"? Como vê esse
humor que combina escatologia, escracho e incorreção política?
ANYSIO - Não vi o filme. Não
concordo com esse humor grotesco, com esses atrevimentos.
O meu humor é manso, falado,
leva uma mensagem. Quando
estava no "Zorra Total", me
sentia deslocado, fora do meu
habitat. Eu criei aquele programa, mas não era para ser assim.
FOLHA - Havia excessos?
ANYSIO - Todos. Aquelas modelos de biquíni em uma festa a
rigor eram um absurdo. Tem
um erro muito grande ali.
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