São Paulo, quinta-feira, 25 de março de 2010

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NINA HORTA

Festas de casamento


Por que elas são sempre iguais e até os mais espertos nesta hora querem ser iguais?


AI, COMO se padece nos serviços de bufês. Somos, todos nós, não adianta disfarçar, colonizados e imitadores do que chamamos de "lá fora". Só que imitamos 20 anos depois, ou cem, ou não deixamos a influência passar nem depois de séculos. Ganhei um bom livro de um cliente querido, "A Mesa e a Diplomacia Brasileira", de Carlos Cabral. Qual não foi a minha surpresa ao ver que servimos o mesmo menu com pequenas variantes desde 1941! O Itamaraty é aqui.
Lembro que em Oxford fui a um simpósio com os melhores críticos de comida do mundo. Nos intervalos das palestras, era cafezinho, chá de garrafa térmica e copinho descartável. Não tinha copeira vestida de renda para ajudar, não, e falar: "Isto é café, isto é chá, quantas colheres de açúcar deseja?". Cada um que se virasse. No último dia, um jantar de gala num palácio folhado a ouro, deslumbrante. Todos sentados em mesinhas comuns, dessas horrorosas que se aluga na esquina, e copo descartável também. De assustar. O homem que comeu de tudo, Jeffrey Steingarten, o que inventou a ciência na comida, Nicholas Kurti, o palácio brilhando e o plástico dos copos brilhando mais ainda. Cosa fare?
Por que temos que ter entradinhas mínimas, delicadas, lindas, em todo tipo de festa? Isso deveria ficar reservado para lugares que tem cozinha para os 500 convidados. Uma festa de casamento é muito mais íntima e bonita em casa, concordo. Mas não se pode escolher um coquetel com 15 salgadinhos por pessoa antes do jantar. Onde fazê-los, onde empilhá-los? (E fazemos e empilhamos.) Porque ninguém pode se esquecer que além dos 3.000 pratos e 1.500 copos ou mais, há as panelas da comida do almoço ou jantar e tudo deve ser recolhido e lavado para se disponibilizar o lugar para as muitas sobremesas e o café com quitandas. Você que tem uma boa casa, tem a cozinha aparelhada para isso? Não tem. Resolve-se com o infalível toldo para a cozinha, esse mais simplezinho, que torra quando faz calor e deixa cair a chuva nos dias en- ferrujados.
Por que precisamos ser tão chiques? Ou melhor, tão improváveis? Sem chegar a extremos, há cerimônias que pedem um fino ritual para serem lembradas, nós todos adoramos a suprema lindeza do último baile da Ilha Fiscal, mas, antes de tudo, é preciso ter a ilha. Vamos devagar com a louça, li-te-ral-men-te.
Por que não fazemos nossa própria moda, como um consomê antes do jantar em vez de 20 variedades de canapés? Um consomê perfeito. Forra o estômago, você pode beber calmamente até a hora do jantar sem ter garçons cutucando sua barriga com as mais deliciosas "sottises" e "amuse-gueules", impedindo a conversa. Um consomê é pouco? Está bom, mais uma cumbuca com uma comidinha gostosa. Não é pouco. Minha sócia Andrea e eu, quando começamos, queríamos por força abolir o coquetel antes da refeição principal, mas foi impossível. Um dos motivos, o atraso dos convidados. Ficar das 20h às 23h esperando o jantar por causa de atrasos não dá.
E você acha mesmo que é preciso que sua festa tenha saladas e peixe e carne e massa para não desagradar ninguém? Entre no Google e procure o cardápio de casamento de um príncipe inglês, francês... Não é preciso agradar a todos, não. Num aniversário ou num simples almoço de amigos cabe um delicioso prato único com acompanhamentos. Agora que vai chegar o inverno, um belo cozido no almoço, um pão camponês, um bom vinho, isso servido maravilhosamente bem em louça adequada.
Por que todos os casamentos são iguais? Por que até as pessoas mais espertas nessa hora querem ser iguais. Ah, eu gosto, mas vão pensar que... pensar o quê? Deixa que digam, que pensem, que falem, deixa isso pra lá, vem pra cá, o que é que tem?

ninahorta@uol.com.br

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