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CINEMA E LITERATURA
Paris assiste a 24 filmes brasileiros
MARIANE COMPARATO
de Paris
Nem só de literatura está vivendo o Brasil na França. O ciclo de
cinema brasileiro "Écriture en 24
Images", que está apresentando
em Paris 24 filmes ligados a obras
literárias, também está atraindo o
público francês.
Na exibição de "Pixote" (de
Hector Babenco), anteontem, a
sala lotou. Os diretores Nelson Pereira dos Santos ("Memórias do
Cárcere"), Walter Lima Jr. ("A Ostra e o Vento") e Julio Bressane
("Miramar"), que estão a convite
da Associação Bem-Te-Vi, organizadora do evento, participarão de
debates sobre seus filmes.
Os diretores se encontraram para um bate-papo com a Folha sobre público, maio de 68, cinema
francês e novos projetos.
Folha - Vocês acham que "O Que
É Isso, Companheiro?" merecia ganhar o Oscar?
Nelson Pereira dos Santos - A
Holanda sempre ganha do Brasil:
no ano retrasado, contra "O Quatrilho", foi a mesma coisa...
Walter Lima Jr. - O Brasil agora
é concorrente permanente. Um
dia o Oscar será festejado no Maracanãzinho, feito o Frank Sinatra...
Santos - É uma fatalidade...
Mas sou suspeito porque fiz parte
da comissão que escolheu o filme.
Folha - O público francês tem
uma percepção diferente da do
público brasileiro?
Santos - Eu me lembro do público francês dos anos 60, 70, que
era muito ligado ao movimento
romântico, principalmente a juventude da classe média: Che Guevara, cinema novo. Foi a dieta cultural de Nanterre (conhecida pelos
cursos de ciências sociais): "Deus
e o Diabo na Terra do Sol", "Vidas
Secas" etc. Havia um grande público para o cinema de arte e o cinema latino-americano em geral.
Era uma solidariedade em relação
ao terceiro mundo, mas isso acabou. Nosso cinema está dando
uma visão muito plural do Brasil.
Folha - Quais são os valores do cinema brasileiro atualmente?
Julio Bressane - Me parece que
nos anos 60 havia um outro caldo
de cultura. Hoje, por mais falaciosa que seja essa história de globalização, o público tem um gosto representando o mundo inteiro. O
que há de paradoxal nisso é que o
cinema no Brasil sempre foi colocado na questão da arte. Isso é delicado, porque a arte é uma coisa
feita para a elite.
Folha - E o cinema francês?
Lima Jr. - Acho que está muito
impregnado de cinema norte-americano. É só ver o último filme
do Luc Besson ("O Quinto Elemento"). A toda hora vejo desastres de carro nos filmes franceses...
Na década de 30, 40, o cinema
francês tinha uma personalidade
extraordinária, a gente mirava
aquilo como se tivesse vendo uma
grande novidade. O cume foi a
nouvelle vague, em que puderam
fazer a digestão do cinema e propor algo novo.
Santos - Não há nenhum código norte-americano que o garoto
da zona norte lá do Rio não decifre, porque ele tem interesse em fazer essa viagem. A França deixou
de ocupar um posto importante
no campo cultural.
Bressane - Mas teve uma coisa
importante: a vulgarização dos
textos acadêmicos, que permitiu a
consolidação de uma cultura sob
outra perspectiva. Isso aconteceu
com os primeiros textos teóricos
de Jacques Derrida, Deleuze, Foucault e Lacan. A informação que
existia nos centros de pesquisa foi
levada para a rua, popularizada.
Folha - Onde vocês estavam em
maio de 68?
Bressane - Eu estava aqui em
Paris. Por acaso, com Alex Vianni
e Paulo César Sarraceni.
Lima Jr. - Estava acabando
"Brasil, Ano 2000". Em 69, vim
para cá e vi os restos de maio de 68.
Santos - Eu estava em Parati,
fazendo "O Asilo Muito Louco".
Lima Jr. - Lembro que trouxe
em 87 o filme "Ele, O Boto" para
cá e, coincidentemente, havia um
filme do Luc Besson chamado
"Imensidão Azul". Aí eles rechaçaram meu filme para que houvesse um lugar para o outro, que era
parecido. Na hora em que cheguei
em Paris, entrei no metrô e vi o
cartaz daquele filme, pensei: "Não
vou entrar na competição nunca".
Folha - Foram ao Salão do Livro?
Bressane - Eu fui. Mas achei
que era uma representatividade
muito relativa, porque os tradutores escolhem o que querem, a visão sempre é muito fragmentada,
parcial. Apesar de ser importante
ter um espaço desses, a representação brasileira foi muito institucional, oficial. Deixaram de fora
pontos luminosos da nossa cultura: Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Paulo Leminski.
Folha - Quais são seus projetos
em andamento?
Santos - Tenho dois. Um para a
televisão, uma adaptação de "Casa Grande e Senzala" em 13 episódios para o canal GNT. O outro
projeto é "Guerra e Liberdade",
um longa-metragem de ficção sobre Castro Alves quando passou
um ano na escola de direito em São
Paulo, em 1868.
Bressane - Estou preparando
uma produção sobre São Jerônimo, que viveu a vida inteira no deserto, onde fez a famosa versão latina da Bíblia, a "Vulgata", a partir da qual saíram todas as traduções de língua românica da Bíblia.
Lima Jr. - Quero fazer um filme
sobre a atitude que teve a minha
geração de tentar criar um país por
meio da arte. A pretexto de falar da
bossa nova, também falo um pouco do cinema e da arquitetura. A
pergunta básica é se é possível a arte ainda pretender transformar o
mundo. Vai se chamar "Os Desafinados".
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