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"As pessoas preferem ficar em casa vendo televisão", diz o diretor
da Reportagem Local
A seguir, a entrevista com Antunes Filho sobre o teatro brasileiro,
seu método e "Prêt-à-Porter".
Folha - Você pediu platéia de 30,
40, no máximo. E se define como
um coordenador, não um diretor.
Concentra criação, texto, tudo nos
atores. É uma recusa do teatro como ele existe hoje?
Antunes Filho - Eu estou querendo fugir dessa coisa convencional que se chama teatro, porque eu
acho que ele está falido. O próprio
público fugiu. As pessoas preferem
ficar em casa vendo televisão, até
as malditas novelas, a ir ao teatro.
Se é para ver o que vêem na televisão, por que ir ao teatro? E eu não
estou vendo atores, autores surgindo. Os que existiam pioraram.
Folha - Onde está o problema?
Antunes - Eu estou vendo uma
busca feroz de espaço, espaço no
teatro, no jornal, na mídia. As pessoas que fazem teatro querem se
locupletar. Eu estou recusando isso. Gostaria de fazer uma coisa significativa na minha vida. E acho
que só tem uma saída: é começar o
teatro de novo e de outra maneira.
Não que eu vá conseguir dar a resposta, mas pelo menos quero dar
uma questão a ser pensada. Porque eu acho o nível dos atores péssimo. O nível é péssimo.
Folha - Você escreveu sobre a
máscara dos atores.
Antunes - É o estereótipo. A
prática teatral está cada dia pior. E
eu aponto certas coisas, a máscara.
Na verdade, eu quero discutir o
modelo. Estamos com esse modelo há séculos, principalmente no
século passado e neste. É uma influência histriônica. Por que até
hoje se diz que nós, brasileiros,
não podemos fazer Tchecov, ou
Shakespeare? O padrão cultural, o
instrumental técnico que nós temos é inadequado. E eu não gosto
de, como brasileiro, me subestimar. Então, tenho que adquirir as
melhores técnicas. Por que vou
aceitar a condição provinciana? É
por isso que eu tento. Eu quero desaparecer, ser coordenador, e com
o tempo eu quero que os atores sejam senhores do teatro.
Folha - Para estimularem os novos autores?
Antunes - Exato. Não vai existir
um novo autor enquanto não houver um novo ator. Se você é um canastrão, só sabe gritar, ficar pelado, que texto interessa? Se eu sou
autor, não vou dar a minha peça
para esculhambarem.
Folha - O império da forma.
Antunes - Da forma pelo "design". Mas por que virou tudo
"design"? Porque não tem atores
que seguram. É o círculo vicioso. O
ator não sabe interpretar, o diretor
não sabe dirigir.
Folha - E os autores minguam.
Antunes - Por que não se tenta
fazer Shakespeare para valer no
Brasil? Porque não se sabe. O que
se faz é sempre uma espécie de sátira, meio clown. Tudo o que se faz
é arremedo, arremedo, arremedo.
Os meus próprios Shakespeares
são arremedos, pô. Mas por que
não temos capacidade? Porque nos
foi ensinado de maneira errada. E
nós temos que assumir.
Folha - Você já responde a isso
com "Prêt-à-Porter"?
Antunes - As pessoas falam:
"Ah, está muito sutil, agora dá para fazer Tchecov". Mas não estou
procurando o ator sutil. Não estou
fazendo ator para fazer Tchecov.
Estou fazendo ator para fazer tudo. E mudar o padrão cultural do
país. É petulante, mas ao mesmo
tempo eu sei que não vou resolver.
Vou tentar colocar o tema para reflexão. Porque não se discute mais
teatro. A gente fofoca.
Folha - Atores do CPT disseram
que você estava dando uma grande liberdade de criação, inesperada. Isso é mais recente?
Antunes - Veja bem, se você
não tem atores tecnicamente, culturalmente preparados... A culpa
era minha. Não tinha o método direito. Trabalhava com os impulsos
bobos do criador: "Ah, a genialidade do diretor". Ficava criando
formas. Na medida em que fechei
o meu método, eles têm que fazer
tudo. Eu tenho que ficar cada vez
mais de coordenador. Quem vai
mandar é o ator. O ator é o senhor
absoluto do palco. E eu acho que o
diretor é filhote das ditaduras que
tivemos. É um prolongamento de
um estado militarista.
Folha - Você sempre fala em democracia.
Antunes - Nós estamos engatinhando numa democracia, aprendendo a ter voz. Cada grupo tem a
sua voz, cada pessoa tem a sua voz.
Não é uníssono, é polifônico.
Quanto mais vozes nós tivermos,
mais desenvolvimento teremos. É
fundamental que você tenha oposição no seu diálogo. No teatro,
tem que acabar essa tirania do diretor. Porque vai ficar um beco
sem saída, bicho. Daqui a pouco se
esgota. A saída é o ator.
Folha - Você ficou bondoso?
Antunes - Não é problema de
bondade, de generosidade. Não. É
porque eu não vejo outra saída. O
autor não vai ter vez, ele vai escrever para a televisão, onde pelo menos ganha dinheiro. Mas a hora em
que a gente tiver atores, eles vão
transformar os diretores. Nós poderemos ter o renascimento da autoria. Mas, em primeiro lugar, eu
tenho que me excluir, tenho que
coordenar e a liberdade é deles,
para o bem e para o mal. Eles vão
se soltando. Este meu trabalho é a
longo prazo. Não é para resolver
já. Mas é um começo.
Folha - Nesse sentido, nas três
cenas de "Prêt-à-Porter", pouco
importa o enredo?
Antunes - Mas você sabe que
está bem escritinho pelas meninas? Elas improvisaram tudo e, em
cima da improvisação, escreveram. Tem um resultado dramatúrgico ótimo, e eu estou contente de
ser o coordenador disso. Eu quero
começar também o curso de dramaturgia. Estou testando esse jogo, para começar a fazer uma dramaturgia não-dogmática, respeitando a voz de cada um. Porque
eles fazem isso aí fora, "não, é assim, é assado". Não, a gente vai
discutir democraticamente.
Folha - Uma dramaturgia saída
do palco?
Antunes - Não sei. O que sei é
que não queria teatro convencional. Eu quero uma sala com 30 pessoas, se possível, porque acho que
é um trabalho profilático o que eu
estou fazendo, de limpar a área,
despoluir o teatro. Quero começar
num lugar pequeno, ver.
Folha - "Prêt-à-Porter" coincide
com a finalização do método.
Antunes - Eu estou há anos tentando fechar o meu método.
Quando eu retomava, tinha que
estrear uma peça e parar. E ele já
está na voz, fechou. Só que nesta
performance eu não entro ainda
com a resolução da voz. Agora é
corpo, entendimento e perceber
um novo padrão de representar. A
voz vai entrar na performance que
a gente vai fazer até o fim do ano,
para reabrir o Anchieta.
Folha - Você fechou o método no
papel? Já escreveu tudo?
Antunes - Não, mas agora posso fazer uma linguagem, os atores
estão aprendendo muito bem. O
CPT, até o "Drácula", foi uma coisa. Agora passa a ser outra. O
"Drácula" foi um espetáculo de
"designer" ainda. Agora eu estou
com uma outra maneira de ver,
outro jeito de fazer.
Folha - Mas você vem desenvolvendo o método há anos.
Antunes - Venho desenvolvendo, mas enquanto não fechava...
Muita coisa estava errada antes,
que só agora, quando fechei com a
voz, é que eu vi, porque corpo e
voz são a mesma coisa. Os pontos
de apoio, físicos, anatômicos, eu
precisei alterar. E quem está escrevendo é o (crítico Sebastião) Milaré, porque foi a primeira pessoa
que se interessou por escrever sobre a minha vida, lá atrás.
Folha - E a idéia é publicar o método em livro?
Antunes - Publicar em livro, tudo isso. Mas é fascicular, como eu
chamo. É a base, para depois se desenvolver infinitamente. É diferente de outros métodos, que são
uma coisa amarrada. O meu método não, ele vai abrindo cada vez
mais, porque é baseado naquelas
coisas todas do Oriente, da física. É
lógico que eu não nego o mestre
Stanislavski. Só que ele escreveu
no tempo do positivismo, do racionalismo. Neste século tudo mudou. Ele não poderia falar coisas
deste fim de século. O conhecimento e a história do homem foram espantosos.
Folha - A sua maior fonte, para o
método, é o budismo?
Antunes - Ah, tem muito. Todo
ele é baseado na liberdade, no
grande vazio. O afastamento, no
meu método, vem por aí. É o entendimento de uma verticalidade,
de uma eternidade. Da realidade
imediata: o ator está numa e finge
que está nesta. É Shiva. Mas o mais
interessante é falar com as meninas. Cada dia eu quero falar menos. Eu já coloquei coordenação,
eu já estou livre do palco oficial, do
refletor oficial. Eu quero falar
tchau pro diretor oficial.
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