São Paulo, quarta, 25 de março de 1998

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"As pessoas preferem ficar em casa vendo televisão", diz o diretor

da Reportagem Local

A seguir, a entrevista com Antunes Filho sobre o teatro brasileiro, seu método e "Prêt-à-Porter".

Folha - Você pediu platéia de 30, 40, no máximo. E se define como um coordenador, não um diretor. Concentra criação, texto, tudo nos atores. É uma recusa do teatro como ele existe hoje?
Antunes Filho -
Eu estou querendo fugir dessa coisa convencional que se chama teatro, porque eu acho que ele está falido. O próprio público fugiu. As pessoas preferem ficar em casa vendo televisão, até as malditas novelas, a ir ao teatro. Se é para ver o que vêem na televisão, por que ir ao teatro? E eu não estou vendo atores, autores surgindo. Os que existiam pioraram.
Folha - Onde está o problema?
Antunes -
Eu estou vendo uma busca feroz de espaço, espaço no teatro, no jornal, na mídia. As pessoas que fazem teatro querem se locupletar. Eu estou recusando isso. Gostaria de fazer uma coisa significativa na minha vida. E acho que só tem uma saída: é começar o teatro de novo e de outra maneira. Não que eu vá conseguir dar a resposta, mas pelo menos quero dar uma questão a ser pensada. Porque eu acho o nível dos atores péssimo. O nível é péssimo.
Folha - Você escreveu sobre a máscara dos atores.
Antunes -
É o estereótipo. A prática teatral está cada dia pior. E eu aponto certas coisas, a máscara. Na verdade, eu quero discutir o modelo. Estamos com esse modelo há séculos, principalmente no século passado e neste. É uma influência histriônica. Por que até hoje se diz que nós, brasileiros, não podemos fazer Tchecov, ou Shakespeare? O padrão cultural, o instrumental técnico que nós temos é inadequado. E eu não gosto de, como brasileiro, me subestimar. Então, tenho que adquirir as melhores técnicas. Por que vou aceitar a condição provinciana? É por isso que eu tento. Eu quero desaparecer, ser coordenador, e com o tempo eu quero que os atores sejam senhores do teatro.
Folha - Para estimularem os novos autores?
Antunes -
Exato. Não vai existir um novo autor enquanto não houver um novo ator. Se você é um canastrão, só sabe gritar, ficar pelado, que texto interessa? Se eu sou autor, não vou dar a minha peça para esculhambarem.
Folha - O império da forma.
Antunes -
Da forma pelo "design". Mas por que virou tudo "design"? Porque não tem atores que seguram. É o círculo vicioso. O ator não sabe interpretar, o diretor não sabe dirigir.
Folha - E os autores minguam.
Antunes -
Por que não se tenta fazer Shakespeare para valer no Brasil? Porque não se sabe. O que se faz é sempre uma espécie de sátira, meio clown. Tudo o que se faz é arremedo, arremedo, arremedo. Os meus próprios Shakespeares são arremedos, pô. Mas por que não temos capacidade? Porque nos foi ensinado de maneira errada. E nós temos que assumir.
Folha - Você já responde a isso com "Prêt-à-Porter"?
Antunes -
As pessoas falam: "Ah, está muito sutil, agora dá para fazer Tchecov". Mas não estou procurando o ator sutil. Não estou fazendo ator para fazer Tchecov. Estou fazendo ator para fazer tudo. E mudar o padrão cultural do país. É petulante, mas ao mesmo tempo eu sei que não vou resolver. Vou tentar colocar o tema para reflexão. Porque não se discute mais teatro. A gente fofoca.
Folha - Atores do CPT disseram que você estava dando uma grande liberdade de criação, inesperada. Isso é mais recente?
Antunes -
Veja bem, se você não tem atores tecnicamente, culturalmente preparados... A culpa era minha. Não tinha o método direito. Trabalhava com os impulsos bobos do criador: "Ah, a genialidade do diretor". Ficava criando formas. Na medida em que fechei o meu método, eles têm que fazer tudo. Eu tenho que ficar cada vez mais de coordenador. Quem vai mandar é o ator. O ator é o senhor absoluto do palco. E eu acho que o diretor é filhote das ditaduras que tivemos. É um prolongamento de um estado militarista.
Folha - Você sempre fala em democracia.
Antunes -
Nós estamos engatinhando numa democracia, aprendendo a ter voz. Cada grupo tem a sua voz, cada pessoa tem a sua voz. Não é uníssono, é polifônico. Quanto mais vozes nós tivermos, mais desenvolvimento teremos. É fundamental que você tenha oposição no seu diálogo. No teatro, tem que acabar essa tirania do diretor. Porque vai ficar um beco sem saída, bicho. Daqui a pouco se esgota. A saída é o ator.
Folha - Você ficou bondoso?
Antunes -
Não é problema de bondade, de generosidade. Não. É porque eu não vejo outra saída. O autor não vai ter vez, ele vai escrever para a televisão, onde pelo menos ganha dinheiro. Mas a hora em que a gente tiver atores, eles vão transformar os diretores. Nós poderemos ter o renascimento da autoria. Mas, em primeiro lugar, eu tenho que me excluir, tenho que coordenar e a liberdade é deles, para o bem e para o mal. Eles vão se soltando. Este meu trabalho é a longo prazo. Não é para resolver já. Mas é um começo.
Folha - Nesse sentido, nas três cenas de "Prêt-à-Porter", pouco importa o enredo?
Antunes -
Mas você sabe que está bem escritinho pelas meninas? Elas improvisaram tudo e, em cima da improvisação, escreveram. Tem um resultado dramatúrgico ótimo, e eu estou contente de ser o coordenador disso. Eu quero começar também o curso de dramaturgia. Estou testando esse jogo, para começar a fazer uma dramaturgia não-dogmática, respeitando a voz de cada um. Porque eles fazem isso aí fora, "não, é assim, é assado". Não, a gente vai discutir democraticamente.
Folha - Uma dramaturgia saída do palco?
Antunes -
Não sei. O que sei é que não queria teatro convencional. Eu quero uma sala com 30 pessoas, se possível, porque acho que é um trabalho profilático o que eu estou fazendo, de limpar a área, despoluir o teatro. Quero começar num lugar pequeno, ver.
Folha - "Prêt-à-Porter" coincide com a finalização do método.
Antunes -
Eu estou há anos tentando fechar o meu método. Quando eu retomava, tinha que estrear uma peça e parar. E ele já está na voz, fechou. Só que nesta performance eu não entro ainda com a resolução da voz. Agora é corpo, entendimento e perceber um novo padrão de representar. A voz vai entrar na performance que a gente vai fazer até o fim do ano, para reabrir o Anchieta.
Folha - Você fechou o método no papel? Já escreveu tudo?
Antunes -
Não, mas agora posso fazer uma linguagem, os atores estão aprendendo muito bem. O CPT, até o "Drácula", foi uma coisa. Agora passa a ser outra. O "Drácula" foi um espetáculo de "designer" ainda. Agora eu estou com uma outra maneira de ver, outro jeito de fazer.
Folha - Mas você vem desenvolvendo o método há anos.
Antunes -
Venho desenvolvendo, mas enquanto não fechava... Muita coisa estava errada antes, que só agora, quando fechei com a voz, é que eu vi, porque corpo e voz são a mesma coisa. Os pontos de apoio, físicos, anatômicos, eu precisei alterar. E quem está escrevendo é o (crítico Sebastião) Milaré, porque foi a primeira pessoa que se interessou por escrever sobre a minha vida, lá atrás.
Folha - E a idéia é publicar o método em livro?
Antunes -
Publicar em livro, tudo isso. Mas é fascicular, como eu chamo. É a base, para depois se desenvolver infinitamente. É diferente de outros métodos, que são uma coisa amarrada. O meu método não, ele vai abrindo cada vez mais, porque é baseado naquelas coisas todas do Oriente, da física. É lógico que eu não nego o mestre Stanislavski. Só que ele escreveu no tempo do positivismo, do racionalismo. Neste século tudo mudou. Ele não poderia falar coisas deste fim de século. O conhecimento e a história do homem foram espantosos.
Folha - A sua maior fonte, para o método, é o budismo?
Antunes -
Ah, tem muito. Todo ele é baseado na liberdade, no grande vazio. O afastamento, no meu método, vem por aí. É o entendimento de uma verticalidade, de uma eternidade. Da realidade imediata: o ator está numa e finge que está nesta. É Shiva. Mas o mais interessante é falar com as meninas. Cada dia eu quero falar menos. Eu já coloquei coordenação, eu já estou livre do palco oficial, do refletor oficial. Eu quero falar tchau pro diretor oficial.



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