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MÚSICA
Movimento que faz releitura rural do rock de São Paulo segue caminho apontado uma década atrás pelo mangue beat
Bandas paulistas semeiam "agro mood"
ISRAEL DO VALE
DA REPORTAGEM LOCAL
O espólio do mangue beat começa a dar frutos em solo paulista. Uma década depois do manifesto que lançaria as bases do movimento estético mais influente
do rock brasileiro desde a tropicália, um grupo de bandas do interior e da capital passa de trator sobre os preconceitos com a cultura
popular para colher uma releitura
rural do rock paulista que pode
ser chamada de agro mood.
A mistura de rock com moda de
viola, umbigada, samba-lenço,
jongo, folia de reis e outras manifestações deixadas pela passagem
do africano e do europeu pelo interior paulista gera uma safra
crescente de "novas bandas calejadas", acocoradas sobre o que o
antropólogo Hermano Vianna
chama de "pós-caipira".
Como no mangue beat, nada
caiu do céu. O terreno vem sendo
fertilizado desde a segunda metade da década passada por grupos
como Mercado de Peixe -dono
de um dos trabalhos mais maduros até o momento, como se pode
constatar por seu terceiro álbum,
"Roça Elétrica", lançado esta semana em show para 400 pessoas
em Bauru, sua cidade de origem.
Pelo menos outras sete bandas
seguem trilha parecida no Estado
-duas delas, Caboclada e Matuto Moderno, originárias da capital. Como no mangue beat, a diversidade impera. Do mesmo
modo que se reuniram sob um só
guarda-chuva recifense "cabras"
distintos como Chico Science e
Nação Zumbi, Mestre Ambrósio e
Fred Zero Quatro, os caboclos
paulistas mostram que o método
é similar, mas as referências não.
"Somos deste mar de cana-de-açúcar que é o interior de São
Paulo", diz Ricardo Polletini, guitarrista e violeiro do Mercado.
Se no lamaçal nordestino o instrumento-símbolo era rítmico (o
tambor), no canavial bandeirante
ele é melódico (a viola). "Este é o
canto popular do caipira paulista", reza em lamento surrado o
pesquisador Cornélio Pires (1884-1958), sampleado em ".Exe", faixa
de abertura de "Roça Elétrica".
Candidato a ideólogo do agro
mood, Cornélio Pires foi na primeira metade do século passado
uma espécie de Câmara Cascudo
da vida cabocla paulista. Pires não
está sozinho no panteão de referências. "Salve Inezita Barroso",
exalta Théo Werneck, da Caboclada, que vê paralelos com a sonoridade caipira até em ícones do
rock como Keith Richards. "Toco
uma guitarra de dez cordas que eu
chamo de guiola, com afinação de
viola caipira "rio abaixo", em sol
aberto, muito usada por ele e por
artistas do blues."
A parte mais viçosa do agro
mood poderá ser vista em agosto,
na segunda edição do Caipira
Groove, festival campineiro responsável pela primeira visão panorâmica da cena do rock caboclo, ano passado -lastreada, na
época, por palestra encorajadora
de Hermano Vianna, patrono (voluntário ou não) da cena.
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