São Paulo, terça-feira, 25 de abril de 2006

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CINEMA

Caso real inspirou ator a criar enredo de "Estrela Solitária"

"Éramos muito sérios na época de "Paris, Texas'", afirma Sam Shepard

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE MODA

"Estrela Solitária" é a história de um ator de faroestes que, num belo dia, resolve desaparecer do set de filmagens e dar outro rumo à sua existência sem graça. Ele parte, então, em busca do filho e da vida que deixou para trás, ao mesmo tempo em que mergulha nas Províncias do Meio-Oeste.
Há três motivos, ao menos, para assistir ao filme de Wim Wenders, 60, ainda que, ao final, ele não satisfaça tanto assim a nostalgia de cinéfilos que adoram alguns trabalhos antigos do diretor.
O primeiro motivo é a fotografia de Franz Lustig, que materializou de maneira excepcional todo o gosto de Wenders pela paisagem norte-americana. O segundo é o roteiro deste melodrama ligeiro e mirabolante, escrito por Sam Shepard, 62 -um dos principais dramaturgos americanos em atividade. O terceiro é a atuação um pouco canhestra, mas sempre sedutora, do próprio Shepard no papel central -ao lado de sua mulher, Jessica Lange.
É a primeira vez que Shepard atua para a câmera de Wenders. Mas não é a primeira vez que os dois trabalham juntos. O dramaturgo fez o roteiro de "Paris, Texas", filme de Wenders que ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1984.
Em 2005, "Estrela Solitária" concorreu também em Cannes, mas saiu sem nenhum troféu. A exibição contou, porém, com a presença bastante rara de Shepard, que tem horror a viagens de avião. Foi durante o festival que o dramaturgo conversou com um grupo de sete jornalistas, incluindo a Folha. "Diretores deveriam ser tão independentes como escritores e pintores, mas não são. Eles estão presos ao dinheiro de Wall Street", disse Shepard, no jardim de seu hotel em Cannes.

Pergunta - Por que o sr. quis contar a história de "Estrela Solitária"?
Sam Shepard -
A primeira idéia para o personagem não me interessou muito. Ele seria uma espécie de Howard Hughes, alguém que fazia grandes negócios e que não se lembrava de ter um filho que nunca havia encontrado. Eu, então, quis transformá-lo num homem mais provinciano, mais rude. Chegamos assim a esse ator que escapa do que estava vivendo e dá outro rumo à sua existência. Isso me ocorreu uma vez, mas não gostaria de contar...

Pergunta - Por favor, conte...
Shepard -
Eles procuraram por mim durante um dia inteiro, inclusive com um helicóptero, mas não me encontraram. Eu estava tendo um caso com Jessica Lange na época [os dois são casados hoje]. O importante, quando você escapa, é não ser encontrado nunca [risos]. No dia seguinte, reaparecemos. Foi em 1982.

Pergunta - O seu filme tem muitas referências ao faroeste, o que ocorre também em outro filme, "Três Enterros", de Tommy Lee Jones. Por que o faroeste já não interessa tanto aos espectadores?
Shepard -
Quando eu era criança, a maior parte dos programas eram faroestes. É um gênero adorável: tem belos cavalos, mulheres bonitas e paisagens esplêndidas. Não entendo por que deixou de interessar às pessoas.

Pergunta - O sr. diria que este novo filme é mais leve, menos ambicioso, que "Paris Texas"?
Shepard -
Certamente é mais engraçado. Nós tínhamos muito medo de perder o humor. Penso que "Paris, Texas" é sombrio e angustiante -éramos muito sérios naquela época. Eu tentei agora produzir alguns aspectos cômicos no filme. Então, quando o choque da dor dos personagens chega, você tem um equilíbrio.

Pergunta - Para o sr., que tem uma importante obra no teatro, qual é o significado do cinema?
Shepard -
Acho que é extremamente importante, mas são poucas as oportunidades de fazer filmes poderosos. Wim tem um modo particular de fazer o seu filme -não o dos outros, dos produtores, mas o seu próprio. Esse é o verdadeiro sentido de filme independente para mim: o diretor faz o filme, segundo aquela velha idéia do "cinema de autor" de Godard -idéia que talvez não exista mais. Diretores deveriam ser tão independentes quanto escritores e pintores, mas não são. Eles estão presos ao dinheiro de Wall Street.


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