São Paulo, sábado, 25 de abril de 2009

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LIVROS

Crítica/"O Gato Diz Adeus"

Muito cálculo enfraquece boa estrutura

Laub resolve razoavelmente bem livro sobre conflitos de um triângulo amoroso, mas faz leitor reavaliar o que leu ao final

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ao final de "O Gato Diz Adeus", de Michel Laub, o leitor encontra uma nota na qual o autor explicita as referências de seu texto: o conto citado por um personagem é de David Foster Wallace; uma passagem reproduz exemplos de "O Demônio do Meio-Dia", de Andrew Solomon; do ponto de vista do tema, da linguagem e da estrutura, seu romance "deve algo" a "Enquanto Agonizo", de William Faulkner, "A Caixa-Preta", de Amós Oz, e "A Chave", de Junichiro Tanizaki...
Ao chegar ali, ao final do livro, estava razoavelmente bem resolvida a estrutura engenhosa preparada por Laub para contar os conflitos familiares e sexuais do triângulo amoroso entre Sérgio, Márcia e Roberto, ainda que certa sensação de indiferença acompanhasse o desenrolar da trama (como escreveu Drummond em um verso do poema de "Claro Enigma" que nem sempre é verdadeiro, mas que faz sentido aqui, "a plástica é vã, se não comove").
O problema é que aquela nota ao final obriga o leitor a reavaliar o que leu. Ele tem duas opções: interpretá-la como mais um dado do quebra-cabeça proposto pela narrativa e a partir daí tentar reenquadrar o romance (circunstância em que as apostas subiriam bastante, mas a chance de fracasso também) ou acreditar que o autor de fato toma a voz ali e informa para quem interessar as suas principais fontes.

Primeiro plano
Até onde este crítico de percepção às vezes tão limitada pode captar, a segunda alternativa é a válida. E aí as coisas ficam bem mais complicadas, porque, desse jeito, a comparação entre as obras torna-se quase obrigatória: os textos deixam de ser ecos em meio a outros ecos (ou o silêncio em meio ao silêncio) na cabeça do leitor e assumem o primeiro plano. Infelizmente, "O Gato Diz Adeus" não se mantém em pé diante dos volumes citados de Faulkner, Tanizaki ou Oz.
Escrever um livro ficcional já é tarefa bastante complicada sem essa obrigação desnecessária de esclarecer o leitor: neste caso, a omissão, a confusão e o erro são parte importante do processo (como diz uma personagem de "A Chave", "ficaria embaraçada se me pedissem para explicar mais concretamente") e não vale a pena brigar com eles. O mesmo, aliás, talvez valha para o próprio autor. Michel Laub sempre trabalha com a contenção, lidando com tensões narrativas muito calculadas e uma prosa em busca de equilíbrio e distância. Talvez fosse o momento de pensar em um pouco menos de controle.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.


O GATO DIZ ADEUS

Autor: Michel Laub
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 28 (80 págs.)
Avaliação: regular
Lançamento: nesta segunda, dia 27, às 19h, na Mercearia São Pedro (r. Rodésia, 34, SP, tel. 0/xx/11/3815-7200)



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