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O universo paralelo de Zé do Caixão
MARCELO NEGROMONTE
free-lance para a Folha
Foram 200 horas de entrevistas
com o biografado, mais 400 outras
com 110 pessoas e seis meses para
descobrir a data de nascimento de
José Mojica Marins, num período
de quase dois anos para ser confeccionado "Maldito". Isso sem a
ajuda de nenhuma bibliografia do
cineasta e sempre desconfiando
das palavras de Marins.
"Ele é um grande contador de
histórias. Sempre mentiu a idade.
Desde 52, quando começou a filmar em um galinheiro na Vila
Anastácio e foi publicada a idade
dele (falsa) no "Última Hora'. A
partir de então, da Folha à "Gazeta de Mairiporã', todos tinham
idades diferentes para Marins",
disse o jornalista Ivan Finotti, que
escreveu o livro com André Barcinski, também jornalista.
"Pesquisamos duas vidas: a do
milionário que ele interpretava e a
vida dele de fato. Marins vive em
um universo paralelo."
Segundo Barcinski, Marins é conhecido hoje pelos "motivos errados". "O marketing pessoal dele
é péssimo. Em vez de aparecer como cineasta, ele representava o
personagem (Zé do Caixão), com
a capa, unhas, cartola." "Perde a
seriedade", disse Finotti.
Em seus 62 anos, Marins dirigiu
31 longas (nem metade é de terror,
segundo Finotti) e, nos anos 60,
período áureo, tinha o programa
de TV mais visto nas noites de sexta, na extinta Tupi; era dono de
boate; tinha uma linha de cosméticos, "Mistério" (com fortificante
de unha), gibi, ("que vendia mais
que "Batman'") e um consórcio
de caixões. Em 69 lançou um compacto com músicas de Carnaval.
"Ele foi o artista de maior sucesso multimídia do Brasil nessa época", disse Barcinski.
Foi a partir de 69 que Mojica começou a sofrer baques causados
pelo fio da tesoura do regime militar e devido a um "séquito de deserdados", segundo Finotti, que o
cercava e a quem Marins pagava
contas em bar, por exemplo. "Ele
não economizava nada."
Entre 64 e 68, Marins produziu
quatro longas, dos quais dois foram interditados pela censura federal e os outros dois cortados
parcialmente. "Se computarmos
em minutos, Marins teve 65% do
tempo desses quatro filmes censurados. Isso não aconteceu com nenhum cineasta", disse Barcinski.
Nesse período, Marins corria
riscos de ser preso pelo regime e
estava sob constante vigilância,
sem perceber (leia texto abaixo).
"Tinha um clima de terror", disse Finotti, referindo-se à postura
dos censores, que pediam a queima de negativos.
"É um crime que ele tenha sido
impedido de filmar por questões
burocráticas. A alegria dele atrás
de uma câmera é emocionante."
Depois disso, Marins passou a
fazer bangue-bangues, comédias
eróticas e pornochanchadas.
Sem nunca ter lido nada sobre
cinema. "Os filmes eram feitos de
impulso. Marins é o exemplo único de cineasta "na$f'. O cinema é
uma arte que congrega várias outras, como teatro, fotografia, pintura, e ele nunca estudou nada. Só
pode ser explicado como gênio",
afirmou Barcinski.
"Ele é "o' cineasta mais marginal do cinema brasileiro. Foi contemporâneo de todos os movimentos e nunca fez parte de nenhum deles."
Livro: Maldito - A Vida e o Cinema de José
Mojica Marins, o Zé do Caixão
Autores: André Barcinski e Ivan Finotti
Lançamento: editora 34
Quanto: R$ 33 (448 págs.)
Quando: dia 27, a partir das 21h
Onde: Espaço Unibanco de Cinema (r.
Augusta, 1.470, região central, tel.
011/287-5590)
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