São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

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O universo paralelo de Zé do Caixão

MARCELO NEGROMONTE
free-lance para a Folha

Foram 200 horas de entrevistas com o biografado, mais 400 outras com 110 pessoas e seis meses para descobrir a data de nascimento de José Mojica Marins, num período de quase dois anos para ser confeccionado "Maldito". Isso sem a ajuda de nenhuma bibliografia do cineasta e sempre desconfiando das palavras de Marins.
"Ele é um grande contador de histórias. Sempre mentiu a idade. Desde 52, quando começou a filmar em um galinheiro na Vila Anastácio e foi publicada a idade dele (falsa) no "Última Hora'. A partir de então, da Folha à "Gazeta de Mairiporã', todos tinham idades diferentes para Marins", disse o jornalista Ivan Finotti, que escreveu o livro com André Barcinski, também jornalista.
"Pesquisamos duas vidas: a do milionário que ele interpretava e a vida dele de fato. Marins vive em um universo paralelo."
Segundo Barcinski, Marins é conhecido hoje pelos "motivos errados". "O marketing pessoal dele é péssimo. Em vez de aparecer como cineasta, ele representava o personagem (Zé do Caixão), com a capa, unhas, cartola." "Perde a seriedade", disse Finotti.
Em seus 62 anos, Marins dirigiu 31 longas (nem metade é de terror, segundo Finotti) e, nos anos 60, período áureo, tinha o programa de TV mais visto nas noites de sexta, na extinta Tupi; era dono de boate; tinha uma linha de cosméticos, "Mistério" (com fortificante de unha), gibi, ("que vendia mais que "Batman'") e um consórcio de caixões. Em 69 lançou um compacto com músicas de Carnaval.
"Ele foi o artista de maior sucesso multimídia do Brasil nessa época", disse Barcinski.
Foi a partir de 69 que Mojica começou a sofrer baques causados pelo fio da tesoura do regime militar e devido a um "séquito de deserdados", segundo Finotti, que o cercava e a quem Marins pagava contas em bar, por exemplo. "Ele não economizava nada."
Entre 64 e 68, Marins produziu quatro longas, dos quais dois foram interditados pela censura federal e os outros dois cortados parcialmente. "Se computarmos em minutos, Marins teve 65% do tempo desses quatro filmes censurados. Isso não aconteceu com nenhum cineasta", disse Barcinski.
Nesse período, Marins corria riscos de ser preso pelo regime e estava sob constante vigilância, sem perceber (leia texto abaixo). "Tinha um clima de terror", disse Finotti, referindo-se à postura dos censores, que pediam a queima de negativos.
"É um crime que ele tenha sido impedido de filmar por questões burocráticas. A alegria dele atrás de uma câmera é emocionante."
Depois disso, Marins passou a fazer bangue-bangues, comédias eróticas e pornochanchadas.
Sem nunca ter lido nada sobre cinema. "Os filmes eram feitos de impulso. Marins é o exemplo único de cineasta "na$f'. O cinema é uma arte que congrega várias outras, como teatro, fotografia, pintura, e ele nunca estudou nada. Só pode ser explicado como gênio", afirmou Barcinski.
"Ele é "o' cineasta mais marginal do cinema brasileiro. Foi contemporâneo de todos os movimentos e nunca fez parte de nenhum deles."

Livro: Maldito - A Vida e o Cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão Autores: André Barcinski e Ivan Finotti Lançamento: editora 34 Quanto: R$ 33 (448 págs.) Quando: dia 27, a partir das 21h Onde: Espaço Unibanco de Cinema (r. Augusta, 1.470, região central, tel. 011/287-5590)


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