|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA TEATRO
"Prêt-à-Porter" é encenação em essência
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
"Nenhum de nós vive a cultura
fora do mercado. Ela quase não
existe." As duas frases são do crítico literário (e autor e tradutor de
teatro) Roberto Schwarz, em palestra no ano passado. Quase não
existe mais a "cultura fora do
mercado", mas existe reação à
"cultura muito mercantilizada".
É o que talvez tenha levado Antunes Filho (e outros, por sinal) a
buscar espetáculo tão "fora do
mercado", como "Prêt-à-Porter".
A "performance", como ele prefere chamar, faz hoje a última
apresentação em São Caetano do
Sul, na Grande São Paulo.
Não é comercial, certamente.
São três cenas, mostradas com
dois intervalos e uma rápida introdução do próprio Antunes -que
se define agora como "coordenador", não mais diretor.
Não há desenho de iluminação, e
o cenário é de objetos reunidos como que no momento, como num
ensaio. O que importa, para além
de uma divulgação quase didática
do método do diretor (nas palavras dele, no programa da "performance", no debate final com o
elenco), é o que acontece ali, em
cena, nas cenas. Sem o propósito
do espetáculo, o que "Prêt-à-Porter" faz é teatro levado ao mínimo,
quase deixado na mão do ator. No
caso, Daniela Nefussi, Gabriela
Flores e Sílvia Lourenço.
De certo modo, "Prêt-à-Porter"
reflete no teatro o que se vê em filmes como "Ricardo 3º, um Ensaio" e "Tio Vânia em Nova
York": expõe o antes e o durante
da criação. Com a diferença maior
que Antunes, descrente da dramaturgia que se faz hoje, retira ainda
a figura do autor.
Não é tarefa fácil para as atrizes,
deixadas com as funções de interpretar, escrever e até dirigir. O objetivo, é o que diz o "coordenador", é levá-las à descoberta do
"ator-criador", primeiro passo
no que seria uma redescoberta
também do autor e até do diretor.
Mas esse é o discurso, e o que
vale é a cena. É o caso de destacar
uma das três cenas, de maior impacto talvez pelo "dia-a-dia" de
mortes e velórios desta semana. O
título é "1 Minuto de Silêncio".
As duas atrizes narram de início
a "gênese" dos personagens e o
que sentem até o momento em
que começa a cena. É talvez a passagem mais inesperada, porque se
vê, nos rostos delas, a transformação do ator no personagem. Já falam em primeira pessoa e vão, de
certo modo, vestindo a máscara.
A cena tem um início formal. A
madrasta Fabíola (Gabriela Flores) chega atrasada ao velório do
marido, onde está a enteada Tatiana (Sílvia Lourenço). Submerso na
conversa comum, com um ou outro espasmo de amizade juvenil
(as duas são jovens), está o desejo
de ambas de não se separarem.
Mas é preciso dizê-lo, e elas não
conseguem. O desejo está nas expressões, mas não consegue vencer uma barreira indefinida. E isso
em meio à morte do marido e pai.
Uma cena brilhante, simples e de
inteira atenção à interpretação.
Performance: Prêt-à-Porter
Quando: hoje, último dia, às 20h
Onde: Sesc São Caetano (r. Piauí, 554,
centro, São Caetano do Sul, tel.
011/453-8288)
Quanto: R$ 10
Patrocinador: Sesc
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|