São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

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CRÍTICA TEATRO
"Prêt-à-Porter" é encenação em essência

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

"Nenhum de nós vive a cultura fora do mercado. Ela quase não existe." As duas frases são do crítico literário (e autor e tradutor de teatro) Roberto Schwarz, em palestra no ano passado. Quase não existe mais a "cultura fora do mercado", mas existe reação à "cultura muito mercantilizada".
É o que talvez tenha levado Antunes Filho (e outros, por sinal) a buscar espetáculo tão "fora do mercado", como "Prêt-à-Porter". A "performance", como ele prefere chamar, faz hoje a última apresentação em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo.
Não é comercial, certamente. São três cenas, mostradas com dois intervalos e uma rápida introdução do próprio Antunes -que se define agora como "coordenador", não mais diretor.
Não há desenho de iluminação, e o cenário é de objetos reunidos como que no momento, como num ensaio. O que importa, para além de uma divulgação quase didática do método do diretor (nas palavras dele, no programa da "performance", no debate final com o elenco), é o que acontece ali, em cena, nas cenas. Sem o propósito do espetáculo, o que "Prêt-à-Porter" faz é teatro levado ao mínimo, quase deixado na mão do ator. No caso, Daniela Nefussi, Gabriela Flores e Sílvia Lourenço.
De certo modo, "Prêt-à-Porter" reflete no teatro o que se vê em filmes como "Ricardo 3º, um Ensaio" e "Tio Vânia em Nova York": expõe o antes e o durante da criação. Com a diferença maior que Antunes, descrente da dramaturgia que se faz hoje, retira ainda a figura do autor.
Não é tarefa fácil para as atrizes, deixadas com as funções de interpretar, escrever e até dirigir. O objetivo, é o que diz o "coordenador", é levá-las à descoberta do "ator-criador", primeiro passo no que seria uma redescoberta também do autor e até do diretor.
Mas esse é o discurso, e o que vale é a cena. É o caso de destacar uma das três cenas, de maior impacto talvez pelo "dia-a-dia" de mortes e velórios desta semana. O título é "1 Minuto de Silêncio".
As duas atrizes narram de início a "gênese" dos personagens e o que sentem até o momento em que começa a cena. É talvez a passagem mais inesperada, porque se vê, nos rostos delas, a transformação do ator no personagem. Já falam em primeira pessoa e vão, de certo modo, vestindo a máscara.
A cena tem um início formal. A madrasta Fabíola (Gabriela Flores) chega atrasada ao velório do marido, onde está a enteada Tatiana (Sílvia Lourenço). Submerso na conversa comum, com um ou outro espasmo de amizade juvenil (as duas são jovens), está o desejo de ambas de não se separarem.
Mas é preciso dizê-lo, e elas não conseguem. O desejo está nas expressões, mas não consegue vencer uma barreira indefinida. E isso em meio à morte do marido e pai. Uma cena brilhante, simples e de inteira atenção à interpretação.

Performance: Prêt-à-Porter Quando: hoje, último dia, às 20h
Onde: Sesc São Caetano (r. Piauí, 554, centro, São Caetano do Sul, tel. 011/453-8288) Quanto: R$ 10 Patrocinador: Sesc



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