São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A PARÓDIA POLICIAL E O POLICIAL BRASILEIRO
"Gabo" narra investigação fantástica

especial para a Folha

Pode-se considerar o Brasil um lugar onde o fantástico se embrenha no cotidiano e na cultura geral de seus habitantes. Mas, na literatura brasileira, o fantástico, ou fantasmagórico, não chega a ser um tema de muita empáfia entre nossos escritores, especialmente se não for seguido de uma motivação irônica, como em Machado de Assis, ou resvalando para o misticismo e o esoterismo.
"O Afilhado de Gabo", do baiano Armando Avena, foi apresentado às livrarias como espécie de romance policial, mas isso é apenas um recurso da narrativa.
Avena, já no prefácio, assume a influência da literatura "gótica" européia, em especial das obras de E.T.A. Hoffmann, Stevenson, Mary Shelley e Poe (que era americano, mas europeu demais para a América do seu tempo).
Seu romance se passa num instituto psiquiátrico onde o entediado doutor Eusébio é instigado pela chegada de um misterioso paciente de feições monstruosas, impecável forma física e com total capacidade de argumentação. Após algum tempo, o sujeito prova-se um zoófago (que se alimenta de animais vivos). Intrigado, Eusébio aprofunda-se no caso, colocando em risco não só carreira e reputação, como também a própria vida. Sua investigação o leva aos documentos do doutor Gabriel Macondo (alguma alusão a García Márquez?), psiquiatra morto em circunstâncias misteriosas.
O enredo está lançado, mesmo que fundamentado em investigações psicanalíticas mais que policiais. Mas Avena surpreende pelo domínio do ritmo e transforma especulações psicológicas em pistas aparentemente verossímeis.
Mas sua intenção, e seu desafio, é conseguir fazer do ambiente tropical um cenário "gótico", envolto em penumbras. Não é tarefa fácil, exigindo tanto o distanciamento como a necessidade de situar a história em espaço palpável.
"O Afilhado de Gabo" é ambientado no Brasil, mas as referências espaciais acabam aí. A narrativa também poderia se passar no começo do século, no espírito da revolução provocada pelas idéias de Freud, que deram ao sexo uma conotação mais ampla que simplesmente genital.
Mas Avena, que é também professor de filosofia e ciências humanas na Universidade Federal da Bahia, derruba o "freudianismo" e toma partido do fantástico. Um caso feliz em que a bagagem acadêmica mais contribui do que obscurece uma proposta literária.
O resultado pode estar um tanto aquém de Hoffmann ou Poe, mas tem seu grande mérito em engrossar uma vertente de nossa literatura que carrega autores tão interessantes quanto injustiçados, como Murilo Rubião e J.J. Veiga. (ES)

Livro: O Afilhado de Gabo Autor: Armando Avena Lançamento: Relume-Dumará Quanto: R$ 19 (237 págs.)


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.