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A PARÓDIA POLICIAL E O POLICIAL BRASILEIRO
"Gabo" narra investigação fantástica
especial para a Folha
Pode-se considerar o Brasil um
lugar onde o fantástico se embrenha no cotidiano e na cultura geral
de seus habitantes. Mas, na literatura brasileira, o fantástico, ou
fantasmagórico, não chega a ser
um tema de muita empáfia entre
nossos escritores, especialmente
se não for seguido de uma motivação irônica, como em Machado de
Assis, ou resvalando para o misticismo e o esoterismo.
"O Afilhado de Gabo", do baiano Armando Avena, foi apresentado às livrarias como espécie de
romance policial, mas isso é apenas um recurso da narrativa.
Avena, já no prefácio, assume a
influência da literatura "gótica"
européia, em especial das obras de
E.T.A. Hoffmann, Stevenson,
Mary Shelley e Poe (que era americano, mas europeu demais para a
América do seu tempo).
Seu romance se passa num instituto psiquiátrico onde o entediado
doutor Eusébio é instigado pela
chegada de um misterioso paciente de feições monstruosas, impecável forma física e com total capacidade de argumentação. Após
algum tempo, o sujeito prova-se
um zoófago (que se alimenta de
animais vivos). Intrigado, Eusébio
aprofunda-se no caso, colocando
em risco não só carreira e reputação, como também a própria vida.
Sua investigação o leva aos documentos do doutor Gabriel Macondo (alguma alusão a García Márquez?), psiquiatra morto em circunstâncias misteriosas.
O enredo está lançado, mesmo
que fundamentado em investigações psicanalíticas mais que policiais. Mas Avena surpreende pelo
domínio do ritmo e transforma
especulações psicológicas em pistas aparentemente verossímeis.
Mas sua intenção, e seu desafio,
é conseguir fazer do ambiente tropical um cenário "gótico", envolto em penumbras. Não é tarefa
fácil, exigindo tanto o distanciamento como a necessidade de situar a história em espaço palpável.
"O Afilhado de Gabo" é ambientado no Brasil, mas as referências espaciais acabam aí. A narrativa também poderia se passar
no começo do século, no espírito
da revolução provocada pelas
idéias de Freud, que deram ao sexo uma conotação mais ampla que
simplesmente genital.
Mas Avena, que é também professor de filosofia e ciências humanas na Universidade Federal da
Bahia, derruba o "freudianismo"
e toma partido do fantástico. Um
caso feliz em que a bagagem acadêmica mais contribui do que obscurece uma proposta literária.
O resultado pode estar um tanto
aquém de Hoffmann ou Poe, mas
tem seu grande mérito em engrossar uma vertente de nossa literatura que carrega autores tão interessantes quanto injustiçados, como
Murilo Rubião e J.J. Veiga.
(ES)
Livro: O Afilhado de Gabo
Autor: Armando Avena
Lançamento: Relume-Dumará
Quanto: R$ 19 (237 págs.)
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