São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

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Autor une tiros e sangue à história recente dos EUA

EDUARDO SIMANTOB
especial para a Folha

A América nunca mais foi a mesma após o assassinato do presidente americano John Kennedy, em 1963. Não pelo choque nem pelo fim de uma suspeita "era de inocência" -que a Segunda Guerra e a bomba atômica já haviam deixado para trás, 20 anos antes.
Mas principalmente pela institucionalização de mitos, nem sempre calcados nos fatos, mas que até hoje competem com estes pelo atributo de "verdadeiro" na história recente dos EUA.
O livro "Tablóide Americano", de James Ellroy, nos oferece um "entranhamento" pelo lado sujo da América nos anos imediatamente anteriores ao assassinato de Kennedy. Terreno pantanoso: escapa a conta o número de livros, filmes, documentários e séries de TV tentando decifrar um crime até hoje não solucionado. Já foram acusados, entre outros, o comunismo internacional e o regime de Fidel Castro, mas a suspeita mais plausível é de que tenha sido uma operação da máfia. OK, mas que ou qual máfia? E ela sozinha?
Ellroy não está preocupado em desvendar nomes e provar a autoria do crime. Porém é muito mais convincente, talvez mais do que qualquer historiador, ao retratar a rede de ligações políticas da época, ambientando todo o seu romance como uma obra de ficção.
John e seu irmão Robert Kennedy, implacável perseguidor da máfia, o milionário Howard Hughes, J. Edgard Hoover, o todo-poderoso chefe do FBI, e até Frank Sinatra tornam-se ilustres coadjuvantes.
O autor persegue a trajetória de três personagens, agentes e vítimas da história. Kemper Boyd é o agente do FBI encarregado por Hoover de se infiltrar numa CPI da máfia, presidida por Robert Kennedy. Acaba sendo cooptado pela CIA, com o objetivo de sabotar e derrubar o recém-implantado regime socialista em Cuba.
Amigo de Boyd no Bureau, Ward Littel é um agente encarregado, a contragosto, de investigar os supostos comunistas dos EUA.
Com seu sentimento cívico, Littel vê na máfia uma ameaça mais grave aos EUA do que um bando de esquerdistas melindrados e parte para uma investigação particular. E, por fim, Peter Bondurant, matador profissional a serviço de Howard Hughes.
Ellroy conta esse período da história da América como um fascinante romance policial, mas vai muito além dos clichês do gênero.
Primeiro, porque não se trata exatamente de um policial, mas de um romance de espionagem na melhor tradição de autores como Frederick Forsythe e John Le Carré, escritores que conheceram seu auge na década de 70 e cujos "descendentes", como John Grisham, mesmo batendo recordes de vendas, nada acrescentam em estilo.
Além disso, Ellroy tem um domínio completo da ação, calcada em diálogos ágeis, por meio dos quais reconstitui um pano de fundo riquíssimo, amarrado com rara inteligência aos acontecimentos do fim dos anos 50 e início dos 60.
A Revolução Cubana e a desastrada invasão da Baía dos Porcos, a campanha presidencial de Kennedy, a luta por direitos civis no sul do país e o jogo mais que sujo do tráfico de heroína unindo todo mundo: castristas, anticastristas, a CIA e a máfia. Uma amarração que provoca a leitura compulsiva de suas centenas de páginas.
Ellroy reconhece o espinheiro em que se transformou a cadeia de acontecimentos que culminaram na morte de Kennedy, mas também não se dá ao luxo de se conformar com as versões dos fatos. E esse é o desafio original de seu livro, que o coloca muito acima de Crichtons, Grishams e dos profissionais dos "thrillers" atuais.
Em suas palavras: "Nosso eterno estilo de narrativa é borrar a verdade e a percepção do passado. Só uma verossimilhança implacável pode consertar isso. (...) Esta na hora de desmontar a mitologia de uma era e construir um novo mito, da sarjeta às estrelas".
Bingo: tudo pode ser simples ficção, mas depois de nos afundarmos em "Tablóide Americano", vai ser difícil acreditar em "mitologias" mais verossímeis.


Livro: Tablóide Americano Autor: James Ellroy Lançamento: Record Quanto: preço não definido


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