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Autor une tiros e sangue à história recente dos EUA
EDUARDO SIMANTOB
especial para a Folha
A América
nunca mais foi a
mesma após o
assassinato do
presidente americano John
Kennedy, em
1963. Não pelo choque nem pelo
fim de uma suspeita "era de inocência" -que a Segunda Guerra e
a bomba atômica já haviam deixado para trás, 20 anos antes.
Mas principalmente pela institucionalização de mitos, nem sempre calcados nos fatos, mas que até
hoje competem com estes pelo
atributo de "verdadeiro" na história recente dos EUA.
O livro "Tablóide Americano",
de James Ellroy, nos oferece um
"entranhamento" pelo lado sujo
da América nos anos imediatamente anteriores ao assassinato de
Kennedy. Terreno pantanoso: escapa a conta o número de livros,
filmes, documentários e séries de
TV tentando decifrar um crime até
hoje não solucionado. Já foram
acusados, entre outros, o comunismo internacional e o regime de
Fidel Castro, mas a suspeita mais
plausível é de que tenha sido uma
operação da máfia. OK, mas que
ou qual máfia? E ela sozinha?
Ellroy não está preocupado em
desvendar nomes e provar a autoria do crime. Porém é muito mais
convincente, talvez mais do que
qualquer historiador, ao retratar a
rede de ligações políticas da época,
ambientando todo o seu romance
como uma obra de ficção.
John e seu irmão Robert Kennedy, implacável perseguidor da
máfia, o milionário Howard Hughes, J. Edgard Hoover, o todo-poderoso chefe do FBI, e até
Frank Sinatra tornam-se ilustres
coadjuvantes.
O autor persegue a trajetória de
três personagens, agentes e vítimas da história. Kemper Boyd é o
agente do FBI encarregado por
Hoover de se infiltrar numa CPI
da máfia, presidida por Robert
Kennedy. Acaba sendo cooptado
pela CIA, com o objetivo de sabotar e derrubar o recém-implantado regime socialista em Cuba.
Amigo de Boyd no Bureau,
Ward Littel é um agente encarregado, a contragosto, de investigar
os supostos comunistas dos EUA.
Com seu sentimento cívico, Littel vê na máfia uma ameaça mais
grave aos EUA do que um bando
de esquerdistas melindrados e
parte para uma investigação particular. E, por fim, Peter Bondurant, matador profissional a serviço de Howard Hughes.
Ellroy conta esse período da história da América como um fascinante romance policial, mas vai
muito além dos clichês do gênero.
Primeiro, porque não se trata
exatamente de um policial, mas de
um romance de espionagem na
melhor tradição de autores como
Frederick Forsythe e John Le Carré, escritores que conheceram seu
auge na década de 70 e cujos "descendentes", como John Grisham,
mesmo batendo recordes de vendas, nada acrescentam em estilo.
Além disso, Ellroy tem um domínio completo da ação, calcada
em diálogos ágeis, por meio dos
quais reconstitui um pano de fundo riquíssimo, amarrado com rara
inteligência aos acontecimentos
do fim dos anos 50 e início dos 60.
A Revolução Cubana e a desastrada invasão da Baía dos Porcos,
a campanha presidencial de Kennedy, a luta por direitos civis no
sul do país e o jogo mais que sujo
do tráfico de heroína unindo todo
mundo: castristas, anticastristas, a
CIA e a máfia. Uma amarração
que provoca a leitura compulsiva
de suas centenas de páginas.
Ellroy reconhece o espinheiro
em que se transformou a cadeia de
acontecimentos que culminaram
na morte de Kennedy, mas também não se dá ao luxo de se conformar com as versões dos fatos. E
esse é o desafio original de seu livro, que o coloca muito acima de
Crichtons, Grishams e dos profissionais dos "thrillers" atuais.
Em suas palavras: "Nosso eterno estilo de narrativa é borrar a
verdade e a percepção do passado.
Só uma verossimilhança implacável pode consertar isso. (...) Esta
na hora de desmontar a mitologia
de uma era e construir um novo
mito, da sarjeta às estrelas".
Bingo: tudo pode ser simples ficção, mas depois de nos afundarmos em "Tablóide Americano",
vai ser difícil acreditar em "mitologias" mais verossímeis.
Livro: Tablóide Americano
Autor: James Ellroy
Lançamento: Record
Quanto: preço não definido
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