São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 2000


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Centenário da morte do alemão Friedrich Nietzsche move literatura, cinema e teatro no Brasil
Filósofo inspira obras inéditas como longa de Júlio Bressane e espetáculo teatral de Gerald Thomas
O século 20 em negativo

Vik Muniz/Reprodução
Efígie de Nietzsche, recortada em presunto de Parma, obra de Vik Muniz


NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Começa hoje, com um Café Filosófico em São Paulo. Depois vêm lançamentos de livros sobre Nietzsche, além de inéditos dele no Brasil, mais uma revista, um encontro com filósofos nietzschianos do mundo todo no Rio de Janeiro, outro com artistas e intelectuais, a começar por José Celso Martinez Corrêa, também no Rio.
A seguir, vem o novo filme de Júlio Bressane, "Dias de Nietzsche em Turim", cidade onde o filósofo alemão escreveu algumas de suas maiores obras e sofreu o colapso que o obrigou a parar de escrever. Por fim, Gerald Thomas já promete espetáculo novo, "Nietzsche contra Wagner", título do último livro do filósofo. São os cem anos da morte de Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), que ajudou a desenhar o século 20.
Scarlett Marton, em torno de quem acontece o Café Filosófico, resume: "O que aconteceu no século 20 é que, à figura de Nietzsche, colaram-se as mais diversas imagens. O legado que ele deixou foi usado, até deturpado, de diferentes modos. Talvez a obra se preste a isso, na medida em que não temos um pensador dogmático, com um sistema fechado. Temos um pensador que se põe, ele mesmo, em questão".
O dia da morte foi 25 de agosto, mas as comemorações já começam. A professora Scarlett, da USP, lançará um livro, "Extravagâncias". No café, falará sobre "As Provocações de Nietzsche". Extravagâncias e provocações são palavras que indicam bem o que promete o centenário. No evento de hoje, às 19h30, na livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, SP), elas serão centradas na crítica de Nietzsche aos dualismos, à maneira viciada de pensar, aos valores que ainda norteiam o comportamento, sobretudo à "moral do ressentimento" e ao cristianismo. Isso só para começar.
"Extravagâncias" e "Nietzsche e a Dissolução da Moral", de Vânia Dutra de Azeredo, abrem a coleção "Sendas & Veredas", da Discurso Editorial. A série promete uma sequência de obras escritas a partir dos trabalhos do Grupo de Estudos de Nietzsche.
Com site próprio (www.fflch.usp.br/df/gen/gen.htm), o grupo edita regularmente, há quatro anos, a revista "Cadernos Nietzsche", que também está lançando nova edição.
Eles participam da organização, entre os dias 22 e 25 de agosto, do Congresso Internacional Nietzsche, da Uerj, que reunirá no Rio nietzschianos como Lacoue-Labarthe, da França, e Monica Cragnolini, da Argentina. Apesar do caráter internacional e de certa prioridade ao tema da formação humanística, ele poderá avançar em áreas incipientes, como a recepção de Nietzsche no Brasil. É o grande evento acadêmico.
A Publifolha também lançará, na série "Folha Explica", um volume sobre o filósofo alemão. "Nietzsche", que sai no segundo semestre, será escrito por Oswaldo Giacoia Junior, professor da Unicamp.

Todos os ângulos
O Centro Cultural Banco do Brasil quer, para seu próprio evento, "uma coisa mais ampla, que cubra os interesses variados de Nietzsche e as áreas que ele influenciou", no dizer do curador Guilherme Castelo Branco. "A nossa idéia é mostrar como as pessoas foram afetadas por ele nesses campos da arte e do saber, os mais variados campos da modernidade. É um personagem que marcou a vida de muita gente, potencializou a vida de um sem-número de pessoas."
Estarão no CCBB, sempre no Rio, entre 23 e 25 de agosto, a estudiosa (e entusiasta) do anarquismo Margareth Rago, para falar sobre Nietzsche e a história, e a pintora Fayga Ostrower, para tratar de Nietzsche e as artes plásticas. Nietzsche do ponto de vista da física, Nietzsche e a Vontade de Potência vistos sob o ângulo da biologia, Nietzsche e a política, a religião, a música -o encontro terá de tudo.
Para começar o ciclo, Zé Celso, talvez o artista brasileiro mais identificado com o filósofo alemão. Ele leu "O Nascimento da Tragédia", diz, "umas 20 vezes". Desenvolveu o costume de abrir "Assim Falava Zaratustra" aleatoriamente, antes de entrar em cena, atrás de alguma imagem para "inspirar o dia". Demonstra predileção por "Gaia Ciência", "um livro de aforismos sobre a alegria", que leu quando estava na Grécia, "viajando de ilha em ilha".
No CCBB, deve falar da leitura "mais consciente" que fez de Nietzsche nesta última década, nos espetáculos maiores de sua companhia, "Ham-let", "Bacantes" e "Cacilda!". "Dioniso e Ariádne, que são estruturais no Nietzsche, que ele trabalha na obra toda dele, eu trabalhei nesses espetáculos. "Cacilda!" foi Ariádne, o encontro de Dioniso com Ariádne, o sim do sim."
O cineasta Júlio Bressane, de "Matou a Família e Foi ao Cinema", é outro que leu Nietzsche desde sempre. Não vai falar do filósofo, mas filmá-lo. Quer encontrar ou ajudar a encontrar o Nietzsche brasileiro, em português, "como há o Nietzsche francês, o americano, o italiano".
Bressane é um dos que se irritam com menções à suposta relação entre o filósofo e o nazismo. "Isso se deve ao uso criminoso que a irmã dele fez dos textos. Ela adulterou vários e depois aproximou Nietzsche do nazismo. Quem lê Nietzsche vê que isso não está dentro dele. É a irmã que modificou textos, publicou até livros que não eram livros que ele tivesse feito, como o "Vontade e Potência". Mas isso já foi restabelecido desde os anos 70, com a edição definitiva de suas obras."
Scarlett Marton é ainda mais apaixonada: "É claro que você pode ler Nietzsche sob vários ângulos, mas é preciso ser fiel aos textos. Quando ainda vejo aproximações desse tipo, eu lamento, porque elas só podem provir da ignorância e da má-fé. Sou bastante contundente, porque não há mais como sustentar uma aproximação dessa ordem, não há mais como deixar de ver que se tratou de uma apropriação ideológica".



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