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CHIVAS FESTIVAL
Saxofonista soprano americano, considerado o melhor do mundo, toca pela primeira vez no Brasil
Steve Lacy vem "pintar" jazz moderno
Divulgação
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O norte-americano Steve Lacy, uma das atrações do Chivas Jazz Festival, toca seu sax soprano |
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ele teve de trocar os EUA pela
Europa, em 1968, quase passando
fome. Hoje, aos 65 anos, é reconhecido pelos críticos como o
melhor sax soprano da cena do
jazz. Steve Lacy será uma das
principais atrações do Chivas Jazz
Festival, que acontece em São
Paulo, de 1º a 3 de junho.
Pela primeira vez no Brasil, Lacy
vai se apresentar em duo com o
lendário pianista Mal Waldron,
74. Os dois estão escalados para a
última noite do festival, entre os
shows do guitarrista Charlie Hunter e do vibrafonista Stefon Harris
-promissoras revelações do jazz.
Exemplo de integridade, Lacy
enfrentou tempos difíceis para os
músicos de jazz. Já gravou mais de
80 discos, fiel a seu compromisso
pessoal com um jazz moderno e
vanguardista inspirado na pintura e na literatura.
Falando à Folha com exclusividade, por telefone, de Paris (onde
vive), Lacy comparou o jazz à pintura, comentou suas afinidades
com Thelonious Monk e Mal
Waldron e afirmou que o jazz
precisa de uma nova revolução.
Folha - Como o sr. explica sua antiga afinidade com a música de
Thelonious Monk?
Steve Lacy - Acho que fomos feitos um para o outro. É como encontrar a mulher certa. Essas coisas estão escritas nas estrelas, são
achados, relações que você não
espera encontrar. Ouvi Monk pela primeira vez em 1955, num pequeno clube de Nova York lotado
só de músicos. A música era bem-humorada, clara, fresca e original.
Tinha uma estrutura que fazia
sentido. Era genial.
Folha - E por que essa música parece soar mais moderna ainda com
o passar do tempo?
Lacy - Monk é como um bom vinho, que só melhora com o tempo. Ou como um bom pintor, um
Monet, cujas obras parecem cada
vez melhores aos nossos olhos.
Folha - Seus improvisos musicais
já foram comparados ao ofício de
um pintor. O sr. vê uma relação direta entre o jazz e a pintura?
Lacy - Sem dúvida. Por toda minha vida, tenho sido um admirador da pintura. Já passei muito
tempo indo a museus e galerias,
além de ler muitos livros de arte.
Para mim, a música é visual, assim como a pintura é musical.
Folha - Como o sr. encara a cena
atual do jazz? Trata-se de um momento criativo?
Lacy - Acho que é um período de
transição, como um túnel. As pessoas estão esperando pelo próximo ídolo radical. Acho que já é
hora de fazer uma boa varredura,
como a que Charlie Parker e
Dizzy Gillespie fizeram, em meados dos anos 40, durante a revolução do bebop. Ou a que fez Ornette Coleman, no final dos anos 50,
em combinação com Cecyl Taylor. Acho que já é tempo para
mais uma varredura, mas geralmente as pessoas resistem bastante. Elas levam muito tempo para
assimilar mudanças.
Folha - E que tal a nova geração
de jazzistas? Há músicos jovens
que o sr. respeita?
Lacy - Sem dúvida, de outro modo eu já teria me matado (risos).
Há um grupo de músicos aqui em
Paris que não é nada mau, assim
como existe uma porção de bons
músicos jovens do Brooklyn, em
Nova York, que tocam juntos em
vários grupos. Acho que o segredo da coisa é colaboração.
Folha - Como o sr. encara o papel
de líder conservador que o trompetista Wynton Marsalis assumiu nos
anos 80?
Lacy - Acho que pessoas assim
aparecem, num certo ponto da
história de uma arte, para fazer
uma espécie de limpeza, nos dois
sentidos do termo. Acho que hoje
estão acontecendo muitas recriações artificiais do jazz, algo semelhante a uma encenação. Eu sempre prefiro ouvir algo que não ouvi ainda. É disso que eu gosto, e
esse não é, definitivamente, o caso
de Wynton.
Folha - Já imaginou se sua música
teria sido diferente caso não tivesse se mudado para a Europa?
Lacy - É difícil dizer, seria como
imaginar um universo alternativo. Eu tive de deixar os EUA, em
1967, porque já não conseguia
mais sobreviver tocando jazz. Estávamos quase morrendo de fome, tocando no máximo duas ou
três vezes ao ano. Na Europa, especialmente em Paris e Roma, eu
tive a chance de trabalhar com
bailarinos, vocalistas, atores, pintores e escultores. Em Nova York,
eu jamais teria oportunidades como as que tive na Europa.
Folha - Como nasceu sua parceria
com Mal Waldron?
Lacy - Tocamos juntos pela primeira vez, em 1955, no Five Spot
de Nova York, acompanhando
um grupo de poetas e pintores. Ficamos amigos e o convidei a gravar "Reflections", meu segundo
disco, que já tinha composições
de Thelonious Monk. Mas só começamos a tocar juntos de verdade na Europa, no início dos anos
70. Eu adoro o jeito como ele toca,
que é realmente original. Já fizemos centenas de concertos juntos, em duo.
Folha - Já têm alguma idéia do
que vão tocar no Brasil?
Lacy - Temos muito material para apenas um "set". Mal é um ótimo compositor, assim como eu
também tenho muitas composições. Além disso, costumamos tocar Thelonious Monk, Bud Powell, Billy Strayhorn e Herbie Nichols, entre outros compositores,
mas não será possível fazer tudo.
Vamos escolher algo na hora.
Folha - O sr. se interessa pela música brasileira?
Lacy - Sem dúvida, até já gravei
uma bossa nova no álbum "Vespers", que saiu pelo selo Soul Note. Venho ouvindo música brasileira desde a década de 60, quando me apaixonei por Jobim e João
Gilberto. Acho que fui bastante
influenciado por ela. Desde então
eu sonhava ir ao Brasil.
Evento: Chivas Jazz Festival
Quando: de 1º a 3 de junho
Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213, São Paulo, tel. 0/xx/11/5051-4900)
Quanto: de R$ 30 a R$ 60 (vendas pelo tel. 0/xx/11/5643-2510)
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