São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 2000


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CHIVAS FESTIVAL
Saxofonista soprano americano, considerado o melhor do mundo, toca pela primeira vez no Brasil
Steve Lacy vem "pintar" jazz moderno

Divulgação
O norte-americano Steve Lacy, uma das atrações do Chivas Jazz Festival, toca seu sax soprano


CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ele teve de trocar os EUA pela Europa, em 1968, quase passando fome. Hoje, aos 65 anos, é reconhecido pelos críticos como o melhor sax soprano da cena do jazz. Steve Lacy será uma das principais atrações do Chivas Jazz Festival, que acontece em São Paulo, de 1º a 3 de junho.
Pela primeira vez no Brasil, Lacy vai se apresentar em duo com o lendário pianista Mal Waldron, 74. Os dois estão escalados para a última noite do festival, entre os shows do guitarrista Charlie Hunter e do vibrafonista Stefon Harris -promissoras revelações do jazz.
Exemplo de integridade, Lacy enfrentou tempos difíceis para os músicos de jazz. Já gravou mais de 80 discos, fiel a seu compromisso pessoal com um jazz moderno e vanguardista inspirado na pintura e na literatura.
Falando à Folha com exclusividade, por telefone, de Paris (onde vive), Lacy comparou o jazz à pintura, comentou suas afinidades com Thelonious Monk e Mal Waldron e afirmou que o jazz precisa de uma nova revolução.

Folha - Como o sr. explica sua antiga afinidade com a música de Thelonious Monk?
Steve Lacy -
Acho que fomos feitos um para o outro. É como encontrar a mulher certa. Essas coisas estão escritas nas estrelas, são achados, relações que você não espera encontrar. Ouvi Monk pela primeira vez em 1955, num pequeno clube de Nova York lotado só de músicos. A música era bem-humorada, clara, fresca e original. Tinha uma estrutura que fazia sentido. Era genial.

Folha - E por que essa música parece soar mais moderna ainda com o passar do tempo?
Lacy -
Monk é como um bom vinho, que só melhora com o tempo. Ou como um bom pintor, um Monet, cujas obras parecem cada vez melhores aos nossos olhos.

Folha - Seus improvisos musicais já foram comparados ao ofício de um pintor. O sr. vê uma relação direta entre o jazz e a pintura?
Lacy -
Sem dúvida. Por toda minha vida, tenho sido um admirador da pintura. Já passei muito tempo indo a museus e galerias, além de ler muitos livros de arte. Para mim, a música é visual, assim como a pintura é musical.

Folha - Como o sr. encara a cena atual do jazz? Trata-se de um momento criativo?
Lacy -
Acho que é um período de transição, como um túnel. As pessoas estão esperando pelo próximo ídolo radical. Acho que já é hora de fazer uma boa varredura, como a que Charlie Parker e Dizzy Gillespie fizeram, em meados dos anos 40, durante a revolução do bebop. Ou a que fez Ornette Coleman, no final dos anos 50, em combinação com Cecyl Taylor. Acho que já é tempo para mais uma varredura, mas geralmente as pessoas resistem bastante. Elas levam muito tempo para assimilar mudanças.

Folha - E que tal a nova geração de jazzistas? Há músicos jovens que o sr. respeita?
Lacy -
Sem dúvida, de outro modo eu já teria me matado (risos). Há um grupo de músicos aqui em Paris que não é nada mau, assim como existe uma porção de bons músicos jovens do Brooklyn, em Nova York, que tocam juntos em vários grupos. Acho que o segredo da coisa é colaboração.

Folha - Como o sr. encara o papel de líder conservador que o trompetista Wynton Marsalis assumiu nos anos 80?
Lacy -
Acho que pessoas assim aparecem, num certo ponto da história de uma arte, para fazer uma espécie de limpeza, nos dois sentidos do termo. Acho que hoje estão acontecendo muitas recriações artificiais do jazz, algo semelhante a uma encenação. Eu sempre prefiro ouvir algo que não ouvi ainda. É disso que eu gosto, e esse não é, definitivamente, o caso de Wynton.

Folha - Já imaginou se sua música teria sido diferente caso não tivesse se mudado para a Europa?
Lacy -
É difícil dizer, seria como imaginar um universo alternativo. Eu tive de deixar os EUA, em 1967, porque já não conseguia mais sobreviver tocando jazz. Estávamos quase morrendo de fome, tocando no máximo duas ou três vezes ao ano. Na Europa, especialmente em Paris e Roma, eu tive a chance de trabalhar com bailarinos, vocalistas, atores, pintores e escultores. Em Nova York, eu jamais teria oportunidades como as que tive na Europa.

Folha - Como nasceu sua parceria com Mal Waldron?
Lacy -
Tocamos juntos pela primeira vez, em 1955, no Five Spot de Nova York, acompanhando um grupo de poetas e pintores. Ficamos amigos e o convidei a gravar "Reflections", meu segundo disco, que já tinha composições de Thelonious Monk. Mas só começamos a tocar juntos de verdade na Europa, no início dos anos 70. Eu adoro o jeito como ele toca, que é realmente original. Já fizemos centenas de concertos juntos, em duo.

Folha - Já têm alguma idéia do que vão tocar no Brasil?
Lacy -
Temos muito material para apenas um "set". Mal é um ótimo compositor, assim como eu também tenho muitas composições. Além disso, costumamos tocar Thelonious Monk, Bud Powell, Billy Strayhorn e Herbie Nichols, entre outros compositores, mas não será possível fazer tudo. Vamos escolher algo na hora.

Folha - O sr. se interessa pela música brasileira?
Lacy -
Sem dúvida, até já gravei uma bossa nova no álbum "Vespers", que saiu pelo selo Soul Note. Venho ouvindo música brasileira desde a década de 60, quando me apaixonei por Jobim e João Gilberto. Acho que fui bastante influenciado por ela. Desde então eu sonhava ir ao Brasil.


Evento: Chivas Jazz Festival
Quando: de 1º a 3 de junho
Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213, São Paulo, tel. 0/xx/11/5051-4900)
Quanto: de R$ 30 a R$ 60 (vendas pelo tel. 0/xx/11/5643-2510)


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